Um dos shows mais legais do chatíssimo SWU foi o do BNegão. O rapper brasileiro é um dos melhores letristas nacionais, tem aquele discurso conscientizador que irrita por vezes, por ser politicamente correto demais, mas é irônico e fez um grande disco, o “Enxugando o Gelo”.
Tenho esse CD há um bocado de tempo e volta e meia, quando vejo e leio algumas declarações no Twitter e no Facebook, lembro-me dele. É “A Verdadeira Dança do Patinho”.
Ontem, o Forastieri, um dos jornalistas mais legais que escreve sobre “coisas pop” (entre aspas, porque é difícil definir exatamente o que é isso), no seu Twitter, mandou a questão: “Ainda dá tempo de não fazer Copa nem Olimpíada e aplicar a grana em educação, saúde, segurança. Vamos?”.
Trocentas pessoas retuitaram de olhos vendados a frase. O próprio autor se espantou com o número de tuítes: “Já que foi retuitado por 99 pessoas, faço uma forcinha pra espalhar mais! Vamos usar melhor a grana da Copa e da Olimpíada”. Forastieri, pra quem não se ligou ainda, é um tremendo de um brincalhão. Quer dizer, fala sério, seriíssimo, mas adora uma polêmica. E quem não gosta?
Ele é provocador mesmo e é assim que tem que ser. O cara escreve bem, tem uma tremenda experiência e sacou que pode usar o Twitter para disseminar suas ideias (disseminar é no sentido viral da Internet, ok?) e dar umas boas risadas depois. Isso sou eu imaginando. Não conheço o cidadão pessoalmente, mas gosto de pensar que conheço um tantinho, de tanto ler seus textos, pra imaginar essa lógica.
Por não conhecê-lo pessoalmente, não o julgo. E não julgo nem mesmo as pessoas que caem cegamente em algumas das suas polêmicas, como a de ontem – quer dizer, quem sou eu pra julgar alguém, mas vá lá…
A frase tem um efeito bom: Copa do Mundo e Olimpíadas são eventos dispendiosos governos invariavelmente gastam uma grana preta neles. Então, por que não diabos investir essa grana na educação, na saúde e na segurança, ainda mais com as grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo nas mãos organizadas de criminosos?
Porque uma coisa nada tem a ver com a outra. Copa do Mundo e Olimpíadas são investimentos e não gastos. Há uma grande diferença aqui.
Não somos um país desenvolvido, por certo, nem economica, nem socialmente. Educação, saúde e segurança formam o tripé da urgência dos investimentos, mas isso deve ser feito sempre, todo ano, com grande parcela do PIB. Ou países como os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra, a Itália, que já sediaram Copas do Mundo e Olimpíadas, podem fazê-lo porque não precisam nunca mais investir em saúde, educação e segurança?
E se o investimento nesse tripé deve ser encarado como uma necessidade constante e em níveis cada vez maiores (se há mais dinheiro para investir, imagina-se que a economia cresceu) a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos devem ser vistos como investimentos positivos no impacto na economia geral. Jamais como gastos, jamais como supérfluos.
Os bilhões e bilhões de investimentos que entrarão no mercado brasileiro vão ajudar a melhorar a infraestrutura (e aí, entram no bolo a educação, a saúde e a segurança), a geração de empregos e, imagina-se, a distribuição de renda. Imagina-se.
O que irrita as centenas de pessoas que reutitaram o jornalista talvez seja o fato de que a gente sabe que alguns poucos vão ganhar muito com esses eventos. Conhecemos nossos governantes desde sempre e confiamos quase nada neles. Com isso, vêm a suspeita de desvio de verbas públicas, com superfaturamento, de péssimo emprego do dinheiro, de negociatas e, principalmente, de impunidade depois que os eventos acabarem. Há quem diga que o “dinheiro todo” da Copa ficará na conta pessoal do Ricardo Teixeira, esse um estorvo pro desenvolvimento do esporte nacional. Não sei de onde tiraram isso, mas não deve ser de todo fantasioso – ele vai encher os bolsos com algumas negociatas, é certo.
Dá pra entender a lógica dessa rapaziada que não quer Copa e Olimpíada por cá. Mas é preciso repensar.
Nenhum país hoje em dia pode se dar ao luxo de dispensar tais eventos. E nenhum o faz. Há briga política, de bastidores, investimentos pesados, tudo para se tornar sede de um desses enormes espetáculos mundiais.
E no final dá certo. Pro mundo, o final é quando encerram-se os jogos: todos voltam pra casa felizes. Pro país-sede, o final não se encerra aí. É preciso continuar investindo e repassar o dinheiro que entrou para as necessidades básicas da população. Saúde, segurança e educação, com Copa ou sem Copa, tem de receber investimentos. Se tiver mais dinheiro, melhor.
Mesmo assim, o problema que o Rio de Janeiro enfrenta agora não será resolvido apenas como polícia e justiça. Nem sei se será resolvido um dia. A educação ajuda um bocado. Mais conhecimento deveria ser igual a mais oportunidades. Só que mais oportunidades só aparecem com mais investimentos, seja com dinheiro estrangeiro ou nacional.
É preciso fazer o básico, dizer pro garoto que estudando ele poderá, sim, conseguir um emprego. Estudando numa escola BOA. Porém, é preciso que exista tal emprego. Senão, tráfico, que é mais fácil, faz ele comer mais meninas, dá poder e a vida é mais louca, parece um filme de Hollywood, cheio de tiros e emoção. Como competir com isso?
No Twitter do Marcelo D2 ontem, um bocado de gente queria que a polícia metesse bala em todo mundo na favela. Complexo do Alemão pra vala! É dureza… Tem gente que “pensa” assim. Ou ecoa o que os Datenas da vida dizem nos telejornais policiais. Esse é o discurso fácil, o da preguiça.
Se as “tropas de elite” resolverem matar todos os traficantes, mesmo assim outros vão surgir no lugar. O ser humano é um preguiçoso por natureza, quanto mais fácil melhor. Acordar cedo, pegar trem lotado, trabalhar, ouvir merda do chefe, pra que? Melhor roubar, fazer falcatruas, traficar etc.
A diferença está na educação que cada um recebeu, na estrutura familiar, nos amigos, nos interesses, no conhecimento que se adquire durante a vida. O esporte é um ótimo foco de interesse, então, por que não?
Não tenho a solução: não sou sociólogo, psicólogo, economista, nem nada. Nem tenho essa pretensão. Repito, também nem sei se a solução existe. A merda tá feita desde a fuga da família real portuguesa pra não ser carcada pelo Napoleão.
Só não acho que meter bala em todo bandido do Rio e isolar o país do resto do mundo vai ajudar. O lance é compartilhar, inserir, educar, questionar e tentar. Tentar sempre. A gente erra, vem errando um bocado. Mas uma hora acerta, ou não?
Eis que eu volto pro BNegão. Antes de cair em discursos fáceis, é bom dar uma pensada, não pode ser tão difícil assim, pra não ser eco de qualquer um, pra não cair na dança do patinho (o vídeo abaixo foi modificado do original, mas tem a letra):