O ano é 1984. Roddy Frame (então com 20 anos) e sua turma já haviam encantado a crítica com o delicado e leve “High Land, Hard Rain”, de 1983 (pela Rough Trade). O sucesso do disco, que chegou ao número 22 da parada britânica, e dos EPs e singles primeiros, deu a Frame um pouco mais de segurança pra criar o que seria sua obra-prima, “Knife”, lançado no ano seguinte.
Bem, obra-prima pode soar exagerado ainda nos dias de hoje. Certamente seria pros críticos à época, que torceram o nariz pro disco, desceram o porrete.
Ajudou um bocado o fato de ser o primeiro disco lançado por um grande selo, o Sire Records, e a produção ser assinada por Mark Knopfler, o Dire Straits em pessoa (embora ainda sem o mega-hiper-avassalador sucesso de “Brothers In Arms”, que surgiria em 1985). Uma grande produção macularia o trjeitos simplistas que Frame mostrou nos seus primeiros passos musicais? Os críticos acharam que sim.
E tinham por onde. Uma das primeiras decisões de Knopfler foi acrescentar um bocado de teclados à música, dando um colorido R&B ao que era apenas, errr… indie ou jazzy. A cara um tanto lo-fi do disco anterior também foi claramente perdida.
Sim, o disco é pop, bem pop, mas cheio de melancolia. “Still On Fire”, um sucesso, abre os trabalhos, com um refrão nada pegajoso, mas uma canção bastante assobiável. “Just Like In U.S.A.” também foi bem executada, inclusive nos Esteites, com uma letra não muito amistosa (que valeria hoje pra carreira de Frame também): “I’d be a tribute to temptation in it’s glory and it’s grave / But I’m churning in neutral, turning in a circle / Just like the USA”.
Vídeo oficial de “Still On Fire”:
É inegável a força “Head Is Happy (Heart’s Insane)” como peça pop, ideal pra FMs. O mesmo vale pra “All I Need Is Everything” e pra tocante “The Birth Of The True”, uma das mais bonitas que Frame concebeu, basicamente voz e violão, com uma letra de arrepiar (“Sometimes I get down / But it’s not you that gets me down / It’s just the sense of the impossible / Gratuitously handed down / But oh no, not you, don’t wipe your eyes over lies / Just let them shine their blue / On every whisper that welcomes the inconceivable / And the birth of the true”).
Ouça “The Birth Of The True”:
Mas as garras da crítica especializada recaíram mesmo sobre a faixa-titulo, com seus nove minutos. Disse um crítico: “é verdadeiramente horrível, com poucas idéias musicais ou líricas sobre a interminável trilha de quase dez minutos que parece ser um tanto Dire Straits, mas apenas com sons insípidos. Com um produtor mais simpático, o disco teria conseguido vencer. Como o que o Aztec Camera nunca se recuperou…”. Pegou pesado.
“Knife”, a música, é bonita, dá pra partir desse ponto. É uma criação de Frame, não de Knopfler, embora o produtor tenha pesado a mão na limpeza do ambiente. Entretanto, ela tem um porquê aparente pra cada trecho, mesmo que soe datada, que pareça trilha pra um comercial yuppie, com elegância falsa saltando dos poros.
Mas é um resumão do que “Knife”, o disco, é: o melhor que Frame fez depois do seu mais aclamado trabalho – e tido até hoje por crítica e fãs, numa unanimidade suspeita, sua verdadeira obra-prima – “High Land, Hard Rain”. É uma grande segundo disco, desafio que faz alguns artistas tremerem.
Ouça a faixa-título:
Curioso mesmo é que “Knife” seja verdadeiramente conhecido em alguns países – como no Brasil, onde o LP foi lançado em 1985 pela WEA – justamente por uma música que não é de Frame e nem está originalmente no disco. É que o lado B do single de “All I Need Is Everything” é “Jump”, cover de um dos maiores (senão o maior) sucessos do Van Halen, uma escolha, no mínimo inusitada. E é uma sublime versão, – que, bem… tem na verdade duas versões.
Uma delas, a que entrou no corte do disco internacional pra alavancar as vendas de “Knife”, tem menos de três minutos e é bela onde a original só consegue ser escrachada. A outra tem cinco minutos, com sua guitarra solando e zunindo no final, a la Jesus & Mary Chain, magnífica.
Mas até “Jump” não escapou ao ímpeto dos críticos. Assim, “Knife” acabou determinando o começo do fim de relevância de Frame, como o despolimento de uma pepita criativa bruta, que estava prestes a brilhar e foi renegada.
Depois, o Aztec Camera lançou mais quatro discos, alguns mais bem sucedidos (“Knife” atingiu o número 14 da parada britânica, melhor que o seu antecessor): “Love” (1987, número 10 na parada), “Stray” (1990, posição 22), “Dreamland” (1993, posição 21) e “Frestonia” (1995, posição 100). Mas Frame não “vingou” e aquela geração preferiu Morrissey. Não dá pra julgá-los por isso, afinal.
Com cinquenta anos completados em 29 de janeiro de 2014, Frame segue com uma carreira solo um tanto bissexta, com um quarto disco aguardado pra 2014 e o apoio de um grande colaborador, Edwyn Collins. Aqui está sua nota de corte entre o que fez de memorável.
Ouça “Jump”:
Ouça a versão estendida de “Jump”:
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Aztec Camera em “Knife” é:
Roddy Frame (guitarra, vocal)
Michale Ross (guitarra)
Campbell Owens (baixo)
Guy Fletcher (teclados)
David Ruffy (bateria)
Chris White (saxofone)
Frank Ricotti (percussão)
Martin Drover (trompete)
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Álbum – Knife
Lançamento – 8 de setembro de 1983
Gravadora – Sire Records
Tempo total – 39 minutos e 28 segundos
Produção – Mark Knopfler
(01. Jump – na edição brasileira)
01. Still On Fire
02. Just Like The USA
03. Head Is Happy (Heart’s Insane)
04. The Back Door To Heaven
05. All I Need Is Everything
06. Backwards And Forwards
07. The Birth Of The True
08. Knife
wooo ! que delicia ler esta resenha.. e quando saudosismo meio veio a toda.. parabens pelo relato sensível.. 🙂