“From A Room In A Missing Country” é o terceiro disco do Constainers, de Maurício Catellani. Foi lançado em 5 de maio de 2021, de maneira mais uma vez independente.
O título refere-se ao fato de fazer arte em um país à deriva, sem comando (ou orientação, que é o que se precisava), durante a pior crise humanitária da história brasileira, que em um ano, até a data de lançamento do disco, havia matado mais de 418 mil pessoas em território nacional (oficialmente falando, sem contar subnotificações).
“A música que abre e dá título ao disco trata do fato de ter que ficar preso em casa por conta do isolamento social e da sensação de desamparo por estarmos vivendo dentro de uma pandemia num país desgovernado, perdido”, escreveu Catellani ao Floga-se, neste faixa-a-faixa cheio de revelações sobre como a obra foi feita.
O trabalho chega três anos depois do bacana “Hereafter”, de 2018, seu segundo disco (leia e ouça aqui). Porém, esse parece oferecer ao ouvinte (e novas audições talvez confirmem tal sensação) um Containers mais leve e descompromissado do que os anteriores (basta ouvir “Dog’s Mind” e “Missing You(th)” pra imaginar tal conclusão).
O próprio autor dá crédito a suas intenções, citando artistas que se espelhou, mas o ouvinte poderá descobrir mais. Faça sua mente sair do quarto. Ela ainda não está presa, apesar de pandemia e desse governo.
01. From A Room In A Missing Country
“A música que abre e dá título ao disco trata do fato de ter que ficar preso em casa por conta do isolamento social (pela pandemia de covid-19) e da sensação de desamparo por estarmos vivendo dentro de uma pandemia num país desgovernado, perdido, como sugere o título da faixa.
A composição é antiga – como a maioria das músicas do disco – e fazia parte de um disco que eu pretendia lançar uns vinte anos atrás, mas que não saiu do esboço. Pra mim, o clima da música remete a ‘Sea Chance’ do Beck, de fato um artista que eu escutava bastante quando criei a canção e ainda hoje gosto muito. Harmonicamente, provavelmente seja a música mais elaborada do disco, tem muito acorde complexo ali no meio, apesar de talvez não parecer sem uma audição mais atenta. A graça está ai”.
02. Detachment
“Também uma canção antiga. É provavelmente a canção mais ‘pra cima’ do disco. A única com uma estrutura que possibilitou que o refrão se repetisse três vezes. Eu chamaria a atenção nesta faixa pra percussão, que o Bruninho (Bruno Marques) caprichou. Gosto também da ponte antes do último refrão, que tem um clima meio cabaré, meio brega, onde me aventuro um pouquinho pelo piano, que, diga-se, nem sei tocar direito, e prepara uma cama pro último refrão”.
03. The Clock
“A letra desta música trata da passagem do tempo, como entrega o título, ou da influência que a passagem do tempo pode ter sobre a percepção de um indivíduo sobre suas próprias experiências. Algo que antes trazia esperança, pode passar a ser fonte de angústia, dada a finitude de tudo. Então, a melodia e a letra, como estrutura, se repetem nas duas estrofes e nos dois refrões (como a passagem do tempo, que é linear, sempre se repetindo) porém, a letra sofre pequenas alterações, como por exemplo, quando no primeiro refrão se ouve ‘he keeps going on with eyes full of hope’, no segundo temos ‘so he keeps going on with eyes like stones’; ou ainda, no primeiro refrão ‘living with this hope in his soul’ e depois ‘living with a clock in his bones’, o que pretende demostrar que, a despeito da linearidade do tempo, nossa percepção está sujeita a nossas subjetividades, a nossa finitude e nossa consciência sobre essa finitude.
Pra mim, essa música tem um pitada de Pavement na fase ‘Terror Twilight’, ou mesmo da carreira solo do Malkmus.
Ah, mais uma música composta há bastante tempo”.
04. Mariana Trench
“Eu considero o baixo o fio condutor desta música. Quase em loop, ele permanece se repetindo quase que durante toda a música, enquanto melodia, harmonia e arranjos vão se desenvolvendo por cima. Certamente há várias músicas que partem desta premissa, mas uma que me vem à cabeça é ‘How To Disappear Completely’, do Radiohead, repare (se ainda não reparou).
Mariana Trench (Abismo das Marianas) é o lugar mais profundo dos oceanos, portanto da Terra. A letra é subjetiva, mas obviamente trata de ir fundo em algo, ir até o fim. Fica a critério de cada ouvinte o que merece tal mergulho. De alguma forma, eu espero que os arranjos da música, que, pra mim, têm um clima, digamos, oceânico, ajudem nesse mergulho”.
05. Dog’s Mind
“A primeira música a ser gravada, foi uma das últimas a ser composta. Na verdade, esta música nasceu de um dia de testes do controlador de midi que tinha acabado de comprar. Baixei um plugin de instrumentos de cordas pra testar o controlador e acabei criando um arranjo de cordas que achei interessante e acabei por compor uma canção baseada nas cordas, o que foi uma novidade pra mim, já que componho sempre no violão ou na guitarra.
A pretensão é que esta música soe um pouco como os últimos discos do Spiritualized, um tipo de música que me causa um certo bem estar, um conforto.
A letra é bem literal e trata do relacionamento de um cachorro e seu dono, mas, claro, pode ser entendida como metáfora pra uma relação abusiva, de submissão”.
06. Confusing Routine
“Esta foi a última música composta e gravada. Na verdade, eu já estava com o disco pronto, mixado e masterizado, quando compus esta canção. Sonhei com a melodia (sim, clichê dos clichês, eu sei) e resolvi gravá-la e incluí-la no disco. Do ponto de vista harmônico, esta canção tem um aspecto interessante: a letra varia entre retratar momentos de calma e de confusão (o pano de fundo desta também é a pandemia) e, apesar de o vocal manter quase sempre a mesma linha melódica, a harmonia vai ficando mais ‘torta’, acompanhando o que a letra descreve. Uma forma sutil de dar mais sustentação à intenção da canção. Como se ainda que na superfície (melodia da voz) pouca coisa esteja diferente, no fundo (harmonia) está tudo uma grande confusão.
Nesta o Bruno não toca bateria, sou eu mesmo quem ‘toca’ (plugin simulador de bateria)”.
07. Normosis
“Um aspecto interessante desta música, que certamente é a mais pesada do álbum, é que não só é a composição mais antiga do disco, como as guitarras que se ouve são as que foram gravadas na época em que ela foi composta, uns vinte anos atrás. Cheguei a regravar as guitarras, com pedal de fuzz (big muff) e de drive (rat), mas, por incrível que pareça, não achei que ficaram tão legais quanto as originais, gravadas com um pedal heavy metal com defeito, da Oliver (!) e meio mal tocadas (risos).
Sobre o que trata a letra, recorro ao dicionário: ‘a normose pode ser definida como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria em uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença e morte'”.
08. Quite The Opposite
“A canção mais intimista do disco, tem letra da minha amiga Karen, então não vou me meter a tentar explicá-la. Um lance legal na letra é uma citação ao Portishead, que resolvi fazer: ‘scattered seeds, buried lives, mysteries of our disguise revolve’. A música me parece ter um clima meio Portishead, então tive a ideia de fazer a citação, que casou direitinho com o som, inclusive melodicamente (a citação não é só na letra, a melodia que eu canto é igual a que a Betty Gibons canta).
Nesta música, o Bruno não gravou a bateria. O que se ouve fazendo as vezes de caixa de bateria, sou eu batendo com a mão no console de madeira onde fica meu computador. Era pra ser só uma guia, mas achei legal, coloquei um reverb e mantive”.
09. Missing You(th)
“Música mais animada do disco. Meio hedonista, meio saudosista. Just for fun“.
10. Night#
“Essa é a que tem a letra mais pessoal e trata da noite em que conheci minha namorada.
Acho que é a música mais climão, pretensamente emulando, quem sabe, Cocteau Twins e outras bandas com essa sonoridade, que minha namorada adora.
A letra tem uns lances engraçados, por exemplo, ‘I had lost my job, so I went to Vegas’, pode parecer que eu perdi o emprego, peguei um avião e fui pra Las Vegas. Nada disso. Eu de fato perdi meu emprego naquele dia, mas não fui para os EUA, eu fui para a Rua Augusta, no finado Vegas, onde de fato conheci a musa da canção. E o ‘Jesus’ que está conosco desde aquela noite é o ‘and Mary Chain’, não o de Nazaré (risos)”.
Todas as músicas foram compostas por Maurício Catellani, bem como a mixagem e as letras, com exceção de “Detachment”, de André Bertolucci, e “Normosis”, “Quite The Opposite” e “Missing You(th)”, de Karen Figueiredo e Catellani.
Bruno Marques toca bateria nas faixas 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 9, com gravação em casa. Todos os outros instrumentos são de Catellani, gravados em casa, com vocais no Estúdio Casa da Vó.
A masterização é de Alejandra Luciani (Sugar Kane Áudio).
01. From A Room In A Missing Country
02. Detachment
03. The Clock
04. Mariana Trench
05. Dog’s Mind
06. Confusing Routine
07. Normosis
08. Quite The Opposite
09. Missing You(th)
10. Night #1
Na minha opinião, esse é o melhor disco que você compôs até agora. Adorei.