Esse ano, o festival Novas Frequências mostrou crescimento. Além dos já tradicionais shows no Oi Futuro Ipanema, o festival resolveu expandir em vários sentidos: promoveu uma ambientação mais propícia pra shows – como os do Heatsick e Lee Gamble, que aconteceram numa boate -; o Talking Sounds, debates abertos ao público, sobre som e arte, mediados por alguns críticos de música alternativa, como Bernardo Oliveira, e com a participação, entre outros, do grande David Toop; e fez crescer a participação brasileira no line-up, com seis atrações nacionais entre as principais, Paulo Drandrea, Fudisterik, Babe, Terror, Gimu, São Paulo Underground e Chelpa Ferro.
Acredito que proposital ou não, isso é importante pra diminuir essa barreira que o público aparenta colocar de forma inconsciente – ou não – entre o nacional e o gringo.
Não consegui presenciar todos os eventos que ocorreram nos nove dias de festival – fico até triste não ter visto a apresentação do David Toop com o Chelpa Ferro, e a dos caras do Demdike Stare, pelo tanto que me falaram de ambas. Mas os ingressos do Oi Futuro esgotaram rapidamente. O lugar possui apenas 130 lugares.
Vou tentar aqui, de forma resumida, escrever sobre minha experiência nos três dias em que fui ao festival.
6 de dezembro de 2013, sexta-Feira
No primeiro dia que fui ao Oi Futuro, vi a apresentação do São Paulo Underground, e a grande maioria do público parecia feliz. As poucas pessoas que estavam de pé dançavam sem parar e muitos dos que estavam sentados também. O show do trio composto por Rob Mazurek, Mauricio Takara e Guilherme Granado foi competente, a apresentação possui todos os “ingredientes” que o público, no geral, costuma apreciar: influências jazzísticas, afro-beat, música brasileira na medida e algumas basslines envenenadas de Guilherme Granado. Destaco os momentos mais silenciosos do show que me surpreenderam bastante, principalmente pelo domínio de Mazurek e Takara (que além da bateria volta e meia fazia bonito com um cavaquinho).
7 de dezembro de 2013, sábado
No dia seguinte, foi a apresentação de Stephen O’Malley. Um dos shows mais esperados por mim e pela maior parte das pessoas que vi comentando em redes sociais.
Ao chegar no Oi futuro deu pra ver a fila de metaleiros tentando um ingresso de sobra na bilheteria (fiquei sabendo que o Oi Futuro liberava alguns no momento em que o shows começavam, caso sobrassem poltronas).
O Gimu abriu a noite, mas graças ao trânsito da Cidade Maravilhosa, com suas obras à todo vapor em pleno sábado, eu só consegui ver os minutos finais de sua apresentação – que por sinal, foi sua primeira experiência nos palcos com o projeto. Ele me pareceu feliz com o resultado, e sentamos juntos pra esperar o show do O’Malley começar.
Pra falar no show do Stephen O’malley, devemos ter em mente que não foi apenas um show de música mas sim uma experiência multi-sensorial, uma instalação no palco. Pra começar o músico fez questão de ir além dos 100dB permitidos pela casa. Sua apresentação chegaria em picos de 120dB. Isso fez com que a produção providenciasse protetores auditivos pra distribuir na entrada do teatro antes do show. Alguns, estou me incluindo aqui, acharam desnecessário pois cortava um pouco da experiência. Mas acho que por motivos de saúde é justo.
O’malley passou quase que o show inteiro no canto direito do palco, na escuridão, enquanto no telão o video da dupla Gast e Nadine se tornava o refugio pros nossos olhos. Foram selecionadas duas partes da obra “Unground” – segundo o site dos artistas, as “phases” 4 e 12 – pra fazer parte do concerto minimalista do músico. E devo dizer que fez toda a diferença, o que não sentíamos no peito com os graves e no ouvido com os agudos e feedbacks, os olhos faziam sentir, preenchendo a apresentação.
A imersão começa com calma, podemos ver no video gotas caindo de galhos, de fios, escorrendo por janelas. Sombras interrompendo e mudando as paisagens. Tudo calculado pra uma imersão vagarosa que logo iria nos prender num intenso movimento de algo que ali me pareceu um grande olho procurando desesperadamente alguma forma de sair da tela, do palco, como se estivesse se afogando.
Em certa altura do show, quando os graves chegaram ao nível de esconder meus batimentos cardíacos, oprimindo meu corpo contra a cadeira, a tela apagou e as poucas luzes restantes logo também se apagaram. Aqui o trabalho de imersão já estava completo e nos encontrávamos todos ali, perplexos, sozinhos, emocionados e de certa forma assustados (uns provavelmente mais do que outros). O que devia ser comum a todos era o tremor, a sensação física que o show vagarosamente – mesmo – causou.
Ao sair da sala, estavam todos felizes e tremendo, os comentários que ouvi foram em sua maioria positivos.
Agora, restavam os shows do dia seguinte, um deles era dos mais aguardados por mim e por muitos dos ali presentes: Tim Hecker.
8 de dezembro de 2013, domingo
O trânsito na cidade estava um pouco melhor, mas ainda assim movimentado pra um domingo. Cheguei cedo nesse dia, pra não ter perigo de perder o show do Babe, Terror que começaria às oito horas e pra trocar idéia com o pessoal. O clima no café do Oi Futuro era ótimo, as pessoas chegavam enquanto a equipe fazia entrevistas com alguns dos presentes.
O show do Babe, Terror começou pontualmente. Ele usou pisca-piscas ao invés de projeção, as luzes seguiam certos padrões dos sons utilizados. O show possuía samples extraídos de vinil, os chiados e ruídos de vínil ficaram bonitos no som do teatro.
A apresentação foi bem diferente do que imaginei baseado no que já tinha ouvido do projeto. A idéia do show em si me remeteu bastante ao Caretaker, de Leyland Kirby, um artista que por sinal gosto bastante.
Não sei se foi por conta dessa lembrança que estava o tempo todo na minha cabeça ou a ansiedade pro show do Hecker, mas tive dificuldade pra entrar no clima. O público pareceu gostar da apresentação.
Depois de um pequeno intervalo, chegava a hora do Tim Hecker. O palco do músico estava mergulhado na escuridão, conseguíamos ver sua silhueta e mesa graças as luzes que sinalizavam as saidas do teatro. Mas já dava pra perceber que ele não queria que os olhos se sintonizassem em nada. E assim que o show começou não foi difícil perceber o motivo. Tudo que ele almejava contar estava contido no som. Em boa parte do show, desencostei as costas do acento, fechei os olhos, e entendi que não dava pra fugir daquilo, não haviam brechas. As inúmeras camadas trabalhavam de forma que se você se distraísse de algumas delas descobriria outras no fundo, o som te abraçava e te envolvia por completo.
Algumas frequências utilizadas me deixaram arrepiado a maior parte do show, agudos lindíssimos brotavam a cada segundo. Os graves em alguns picos pareciam ainda mais fortes que os do show do dia anterior. A experiência física que experimentei no show do O’Malley foi potencializada ali, Hecker preencheu toda a sala. Foi uma apresentação transcendental. Me vi sorrindo como um louco naquela escuridão.
Acredito que as camadas dispostas sempre de forma harmônica tornam o show apreciável por qualquer pessoa que se predisponha de peito aberto à experiência. Quero dizer com isso que se à primeira vista alguns possam achar que o som do Hecker difícil, bastam alguns minutos de exposição pra perceber que não é. Mesmo os médios que pareciam vir de alguma ambiência gravada em fita-cassete entre as músicas eram tratados como um elemento belo.
O show foi inteiro elaborado pra ser emocionante e pra mim o ponto alto foi a execução de “In The Fog”, do disco “Ravedeath 1972”.
Mais uma vez estavam todos satisfeitos e animados na saida, a equipe de produção esboçava um ar de missão cumprida. Não era pra menos, até onde pude ver e ouvir, a terceira edição do Festival Novas Frequências foi a melhor de todas.
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Todas as fotos tiradas do Facebook do Festival Novas Frequências (por Eduardo Magalhães/I Hate Flash).