“Ele tá vivo, mas prepare-se para o pior: você não vai reconhecê-lo”. Uma frase dramática assume uma perspectiva positiva no terceiro disco do maquinas, “O Cão De Toda Noite”. À exceção daqueles que acompanharam o ótimo experimento ao vivo de “Resíduos”, com Eric Barbosa, lançado em 2018 (leia e ouça aqui), “O Cão De Toda Noite” vai soar deslocado e não-identificável.
“Corpo Frágil” e “O Silêncio É Vermelho”, com voltas no saxofone nostálgico, com um certo odor de naftalina oitentista, quando yuppies determinavam elegâncias com itens duvidosos, mostra que os cearenses estão não só revisitando um tempo em que poderiam ter vivido, como adaptando-o.
Predizendo um futuro “amargo”, a banda se monta em sons que remetem ao passado e indubitavelmente se escoram num presente que não se importa em tentar incomodar – com guitarras sujas, climas sinistros, desilusões, baixo ameaçador. Há tudo isso em quase todas as faixas, às vezes numa mesma faixa, como é o caso de “O Silêncio É Vermelho”.
A tentação de chamar este disco de “adulto” ou “maduro” é grande, mas merece uma puxada pra uma visão menos óbvia. Não é um sax ou um “clima” que amadurece uma obra, é a sua entrega a um sistema ou a um sentimento que enlutece a alma. O maquinas tem uma energia pra experimentar (ouça “Sintomas”) que borbulha em sangues e veias jovens, dificilmente em quem tem mais demônios cotidianos e mundanos pra enfrentar do que em quem se preocupa em enxergar o mundo de um mundo torto, com outro ângulo.
É, assim, um trabalho “nervoso”, vibrante de excitação em muitos momentos, mas que vai captar poucos adeptos, desafortunadamente, “difícil” que é. O jazz e a experimentação (bateria e baixo como cama, guitarra se alongando) são o motor do álbum, que esconde muito mais, especialmente o art-experimental-rock a la Swans em “Prepare-se Para O Pior”.
A banda, por fim, se vê meio sem propósito, determinando que “sempre pulo onde não dá para alcançar” (em “Meia Memória”): só que o pulo é o que importa, alcançar é consequência.
Ouça na íntegra:
O disco foi lançado dia 4 de outubro de 2019, pela Mercúrio Música.
A produção é de Yuri Costa, Felipe Couto e da banda, com gravação e mixagem de Felipe Couto, no estúdio Quintal; e masterização de Fernando Sanches, no Estúdio El Rocha.
Há participações especiais que merecem ser anotadas: Clau Aniz (clarinete e vocais de apoio em “O Silêncio É Vermelho”), Ayla Lemos (vocais de apoio em “Corpo Frágil”), Felipe Couto (bateria eletrônica em “O Silêncio É Vermelho”), Eros Augustus (pianon “Corpo Frágil”, “O Silêncio É Vermelho” e “Meia Memória”), Breno Baptista (vocais “Prepare-se Para O Pior”) e Y.A.O. (teremim em “Sintomas”)
1. Maus Hábitos
2. Corpo Frágil
3. O Silêncio É Vermelho
4. Sintomas
5. Meia Memória
6. Prepare-se Para O Pior
7. Melindrone
8. Nuvem Preta
A foto que abre este artigo é de autoria de Tais Monteiro.