OS DISCOS DA VIDA: CHINESE COOKIE POETS

Só vendo pra crer. O Chinese Cookie Poets é uma banda brasileira e faz, sim, ao vivo, aquele ensurdecedor barato que ouvimos nos MP3 por aí. Frente a frente, a música desse trio carioca é ainda mais potente, ousada, perturbadora e provocativa.

O que se costuma ler por aí é que a banda toca free jazz, inspirado em John Coltrane, na liberdade de experimentação e improvisação. Ao ver as escolhas de cada integrante nessa edição de “Os Discos da Vida”, é possível perceber que a análise é certeira: há um bocado de boas opções de jazz e outros itens até surpreendentes, dentro desse contexto.

A mistura dessas “inspirações”, aliada à técnica e ao talento de Felipe Zenícola, Marcos Campello e Renato Godoy, só podia parir uma das bandas mais interessantes do alternativo brasileiro, sem brincadeira.

Aqui, o papo é sério.

FELIPE ZENÍCOLA (baixo)

Naked City – “Naked City” (1990)
Esse foi o meu primeiro contato com uma forma mais radical e livre de se fazer música. Foi uma experiência muito chocante, pois na época nem era muito fã de rock pesado, então tomei alguns socos todos ao mesmo tempo: free jazz, grindcore, todos os outros gêneros misturados ali… A forma frenética de explorar estilos musicais distintos… Um sax que mais parecia uma bexiga sendo esvaziada com os dedos esticando a saída de ar… Minha fase grunge acabou ali.

Ouça “Latin Quarter”:

Tim Buckley – “Blue Afternoon” (1969)
Tim Buckley passou despercebido em seu tempo, e até hoje ninguém entendeu muito bem qual era a dele. É desses compositores que cada disco é de um jeito: balada romântica, rock’n’roll de protesto, experimentações free jazzísticas… Era experimental demais pra galera do rock, e rock demais pra galera do jazz experimental. “Blue Afternoon” é da série de baladas românticas. Voz única, letras excelentes, melodias lindas. Quem gosta do filho, Jeff, ouve o pai, que é bem melhor.

Ouça “I Must Have Been Blind”:

John Coltrane – “Kulu Sé Mama” (1966)
Não há muito a dizer que preste… Só ouvindo.

Ouça “Selflessness”:

Milton Nascimento – “Minas” (1975)
Depois de muito tempo só ouvindo sons gringos, esse foi um dos discos que me reaproximou da música brasileira. Até as mais farofas são impecáveis. Pena que hoje prevalece a paranóia da precisão técnica, rítmica e melódica. As “desencontradas” e os desnivelamentos de volume do disco fazem dele o mais orgânico do Milton, e, por mais que Clube da esquina seja fantástico, não tem “Beijo Partido”, “Gran Circo”, “Trastevere” e “Leila (Venha Ser Feliz)”.

Ouça “Leila (Venha Ser Feliz)”:

Oval – “94 Diskont” (1995)
Até mais ou menos (o ano) 2000, música eletrônica pra mim era ir pra uma festinha ouvir drum’n’bass, e olhe lá. Após conhecer Squarepucher, Aphex Twin, Autechre, Oval, etc., percebi que o buraco era bem mais embaixo. Apesar de terem sido classificados com a infeliz alcunha de IDM (intelligent dance music), trata-se de um grupo de compositores geniais, que se colocavam ali no meio, entre os pum-tss pum-tss e a música concreta e eletroacústica. Coloco aqui o “94 Diskont” por ser um disco que consegue, a partir de rítmos irregulares e melodias estranhas, ser dotado de um lirismo digno de peças clássicas ou românticas.

Ouça “Store Check”:

RENATO GODOY (bateria)

Nelson Cavaquinho – “Nelson Cavaquinho” (1973)
Influência póstuma de meu pai, Renato Godoy, que nas horas vagas compunha seus samba-canções com fortes influências dessa geração da velha guarda da Mangueira. Descobri muita coisa em sua coleção de vinis
recheada de clássicos. Definitivamente, o disco que mais me influenciou na apreciação do samba, “Folhas Secas”, “Pode sorrir”, “Vou partir”, “Rugas”….

Ouça “Juízo Final”:

Otomo Yoshihide – “Otomo Yoshihide New Jazz Orchestra” (2005)
Otomo Yoshihide é um compositor, guitarrista e improvisador genial. “Otomo Yoshihide New Jazz Orquestra” é meu disco favorito, um híbrido defumado de jazz tradicional, free jazz, música contemporânea e noise. A construção dos arranjos/improvisos e mixagem é simplesmente impecável, com os elementos eletrônicos e instrumentos acústicos se colando de maneira extraordinária. São sete faixas no total, três versões de altíssimo nível. A faixa de abertura é uma versão de “Eureka”, do Jim O’Rourke, que começa com a linda e singela voz de Kahimi Karie desenvolvendo o tema num crescendo, até atingirem um freezão, naquela atmosfera bem “Albert Ayleriana”. A terceira é uma versão de “Broken Shadows”, do Ornete Coleman, e a quinta é “Orange Was The Color Of Her Dress”, do Charles Mingus, ambas com estruturas de impriviso/tema igualmente muito bem construídas. O disco inteiro conta com o sax-barítono frenético soprado por Mats Gustafson.

Ouça: “Eureka”:

Sonic Youth – “Washing Machine” (1995)
Pra mim, o melhor disco da banda mais significativa de rock da história. Lembro que comprei logo que os descobri pelo clipe de “Diamond Sea. Um disco lindo da primeira à última faixa, psico-grooves, temas/melodias tortas (daquelas que podem facilmente ficar em loop gastando um tempo), uma onda meio “motown meets no-wave”, graças ao som de batera do Mr.Shelley impecavelmente tight. Além da batera monstra, destacaria as performances de Kim Gordon em “Little Trouble Girl”, “Washing Machine” e “Panty Lies”; de Thurston Moore, no vocal visceral; e de Lee Ranaldo, no solo ímpar altamente inspirado de “No Queen Blues”. Além de “Skip Tracer”, “Unwind”, “Saucer-Like”.

Ouça “Little Trouble Girl”:

Eric Dolphy – “Out To Lunch” (1964)
Um dos primeiros discos de jazz que ouvi. Os temas mais empenados e sempre muito percussivos. Dolphy esmerilhando magistralmente clarone, sax alto e flauta transversa, como se fosse um único instrumento. Tony Williams, em seus 18 anos recém completados, como Miles Davis o definiu muito bem em sua fase inicial, “um filha da putinha”.

Ouça “Out To Lunch”:

Tom Waits – “Rain Dogs” (1985)
Descobri Tom Waits nos filmes do Jim Jarmusch. Dali, comecei a pesquisar e acompanhar sempre tudo que sai. Além da maestria nas composições, a sonoridade dos discos é sempre um aspecto que me prende muito a
atenção nos trabalhos dele. Certas canções ganham um caráter muito atemporal (os últimos, principalmente “Blood Money”, “Real Gone” e “Orphans”). Sempre com um “hissing” caracteristico, saturação nas vozes e percussões. Elementos percussivos que dialogam nas melodias junto com as cordas, dobros, banjos etc. A respiração de sala de madeira característica nas baterias, tudo muito bem construído. Esse disco tem tudo isso. Momentos geniais: o solo de “Clap hands” e “Jockey Full Of Bourbon”; o piano em “Tango Till They’re Sore”; o violão de aço e percussão de “Gun Street Girl”; a batera de “Big Black Maria” e “Union
Square”. O time de músicos que o acompanha também me chama atenção: Marc Ribot, Greg Cohen, Ralph Carney, John Lurie, Keith Richards, Brain Mantia e Les Claypool de tempos pra cá.

Ouça “Downtown Train”:

MARCOS CAMPELLO (guitarra)

Alvin Lucier – “Music For Solo Performer” (1982)
Genial!

Ouça “Music For Solo Performer”:

Frank Zappa And The Mothers Of Invention – “Live At Notre Dame University” (1974)
É um bootleg. Gravação tosca de arranges sensacionais que não aparecem em outros discos.

Ouça: “How Could I Be Such A Fool” / “I Ain’t Got No Heart” / “I’m Not Satisfied”:

João Bosco – “100ª Apresentação” (1983)
O mestre e seu violão.

Ouça “Linha de Passe”:

Danny Gatton – “Redneck Jazz Explosion Vol.1” (1995)
Danny Gatton e Buddy Emmons esculachando num jazz sulistizado.

Ouça “Song Of India”:

Raphael Rabello e Dino Sete Cordas – “Raphael Rabello e Dino Sete Cordas” (2008)
Encontro dos maiores grooveiros do violão.

Ouça “Odeon” (Ernesto Nazareth):

Na edição anterior, “Os Discos da Vida: Renato Malizia”.

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