PENSE OU DANCE: A NOSSA HISTÓRIA EM UM ESPETÁCULO

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O brasileiro não tem memória. O clichê, que é uma verdade, destaca o traço de um povo que tanto se impressiona com modernices e modernidades e destrói seu passado com prazer esportivo. As cidades mudam num estalar de dedos, com o aval e incentivo do poder público, que não tá nem aí em ver o setor imobiliário destruir casarões antigos, praças centenárias, ruas famosas, bairros clássicos pra construir espigões sem alma, tudo em troca de alguns empregos temporários e uns números mais parrudos nos relatórios trimestrais de ganhos.

Por sorte, tem gente que mora por aqui que se incomoda com a falta de memória coletiva e tenta resgatar uma dos pilares mais importantes de uma sociedade: a própria história. André Barcinski é um desses cidadãos (porque proteger a história é um exemplo de cidadania). O jornalista que ficou conhecido pelo seu crucial livro “Barulho”, mostrando o berço do grunge lá nos Esteites, se tornou um ótimo documentarista da nossa história. Pra além do divertido programa “Garagem”, nas ondas radiofônicas paulistanas, Barcinski resgatou a vida artística de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, reconhecendo sua obra antes da morte do cineasta. Em um país que só costuma reverenciar os seus artistas quando da morte deles, Barcinski levou Zé do Caixão pra TV, em um programa supimpa de entrevistas, promoveu seu renascimento nos Esteites e se negou a deixar os grandes filmes de Marins caírem no esquecimento.

Sendo cinema e música suas paixões (claro, o jornalismo também), Barcinski foi buscar na nossa história seu maior êxito até aqui, mais do que “Barulho”. Com o livro “Pavões Misteriosos – A Explosão Da Música Pop No Brasil”, ele conseguiu contar uma parte da história realmente popular da música brasileira, de 1973 a 1984, de uma maneira divertida e sem didatiquês. É seu maior triunfo, já que a história foi parar na TV (Amazon Prime e Music Box Brasil), com a série “História Secreta Do Pop Brasileiro”, e agora nos palcos, com “Sunday – A História Secreta Do Pop”, junto com Helio Costa Manso, produtor e líder da banda Sunday.

O espetáculo, que estreou no Teatro FAAP, na capital paulista, neste dia 2 de setembro de 2022, mostra a importância desse resgate. Numa plateia composta por gente de idades bastante diferenciadas – jovenzinhos de 15 anos a jovenzinhos de 70 pra cima – todos cantaram o festival de músicas ultraconhecidas mas que a gente não liga o nome à pessoa, porque, ao contrário de Barcinski, a gente esquece da nossa própria história. No palco, o Sunday, as Harmony Cats, Gilliard, Dudu França; na plateia, Os Carbonos; no telão, alguns dos causos mais engraçados. Todos devidamente celebrados de maneira divertida e sucessos imbatíveis.

O mote do show são os “falsos gringos”, “cantores brasileiros que se passavam por estrangeiros, como Morris Albert, Mark Davis (Fábio Jr.) e Terry Winter, a saga dos Carbonos, a banda de estúdio que gravou cerca de 100 mil músicas, e a história por trás de artistas inventados por produtores, como Genghis Khan e Dee D. Jackson”, explica o release.

“Há desde clássicos do pop internacional de ABBA, Don Maclean, Bee Gees, Shocking Blue, Beatles e Janis Joplin, até músicas que marcaram a indústria musical brasileira, de Rita Lee a Secos e Molhados, de Rádio Táxi a Roupa Nova, com ênfase numa fase tão rica quanto misteriosa do pop brasileiro, que é a dos ‘Falsos Gringos’, cantores brasileiros que se passavam por astros internacionais e que lançaram sucessos como ‘Feelings’ (Morris Albert), ‘Tell Me Once Again’ (Light Reflections) e ‘Summer Holiday’ (Terry Winter). É um passeio nostálgico e emocionante por uma época de ouro da música”, segue o texto, já prevendo que a plateia se emocionaria, mesmo aqueles que não viveram essa época.

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Os “falsos gringos” são um retrato da nossa bem-vinda malandragem feita à base de talento e criatividade. Nossos avós e pais cantaram (a gente mesmo cantou e segue cantando) e por serem sucessos ultrapopulares, que estavam em trilhas de novelas e rádios AM, fomos deixando pra trás, trocando por novos sucessos e outras trilhas e FMs, até trocar tudo de novo por CDs, MTVs e listas de plataformas de streaming, tudo passageiro e, mais uma vez, sem um registro na memória ou na história. Esses que o livro, a sério, o show resgatam fizeram milhões e milhões em vendas sem MTVs e sem algoritmos, só na base do talento e do jabá (que teria saudade do velho jabá?).

Resgatar a história é um ato de cidadania, também porque ensina a todos nós o que somos ou do que foram feitos os que vieram antes nós e que ajudaram a construir a sociedade tal como é hoje, boa ou ruim. É preciso entender, compreender e digerir tudo isso, ainda mais com a distância saudável do tempo. E “Sunday – A História Secreta Do Pop” é um espetáculo que é aula e é resgate. Cumpre um papel que parece não termos mais paciência de realizar ou simplesmente entendemos não ser importante. Engano nosso.

Torço pra que daqui a quarenta ou cinquenta anos os jovens de hoje resgatem os sucessos efêmeros, mas igualmente amplos, das dancinhas de Tik Tok. Já é história e não é porque você e eu não gostamos que deixa de ser ou deixará de ter importância. Em um mundo e um tempo cada vez mais líquido e passageiro, a “História Secreta Do Pop Brasileiro” é o típico leia-o-livro-veja-o-filme-vá-ao-show. Você vai ver um pedaço do que somos feitos.

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