O dia em que tudo voltou ao normal. Assim foi a quarta-feira, dia 12 de outubro de 2022, quando fui ao meu primeiro festival pós-pandemia (que ainda não acabou, mas estamos todos vacinados e o terror parece mesmo ter ficado no passado pra maioria das pessoas). O Popload Festival matou a saudade. Amigos, sol, chuva, cerveja, gente estranha, gente bonita, camisetas mil de bandas, tatuagens, cabelos extravagantes, filas, preços nas alturas e música boa e música ruim. Tudo como dantes no quartel d’Abrantes. O tal novo normal não veio de forma alguma em quase nada na vida, por que diabos viria justamente nos festivais? O povo já foi ao Lollapalooza, já foi ao Rock In Rio e… tudo como antes no quartel d’Abrantes.
Mas noves fora, o Popload não só entregou como entregou bem. A despeito dos preços absurdos (18 reais uma cerveja, a necessidade de carregar um cartão por 7 reais, são tapas na cara, mas vamos lá) e das filas insanas, estava tudo tudo tudo nos conformes. Banheiros ok, local muito bem cuidado, estrutura convidativa, boa praça de alimentação (venda um estômago por um prato de comida), etecetera e tals. Todo mundo tem lá suas reclamações, como de praxe.
No campo musical, o festival tinha um cheiro de vamos-com-o-que-temos. Cat Power, Jack White e Pixies não são exatamente novidades, mas Pixies e White têm discos novíssimos na praça (White tem dois). Chan Marshall lançou um disco de coveres este ano. Não são ex-artistas em atividade. Ao mesmo tempo, não era uma escalação arrebatadora.
Cat Power, a primeira a se apresentar (depois dos atos brasileiros de abertura e cobertura), foi prejudicada pelo som baixo e pouca atenção do público. Ela estava mais solta, como quisesse pagar a dívida da passagem pelo festival em 2014, no conturbado ano do nascimento de seu primeiro filho. O som lento e intimista quase passou desapercebido. Pouca gente prestando atenção, o que foi uma pena, diante de um setlist de responsabilidade, com uma boa sequência de versões, muitas delas no disco lançado em janeiro.
01. Say
02. Good Woman
03. Metal Heart
04. New York, New York (Frank Sinatra cover)
05. I Want To Be The Boy To Warm Your Mother’s Heart (The White Stripes cover)
06. Bad Religion (Frank Ocean cover)
07. (I Can’t Get No) Satisfaction (The Rolling Stones cover)
08. White Mustang (Lana Del Rey cover)
09. Cross Bones Style / Nude As The News
10. Manhattan
11. Shivers (The Boys Next Door cover)
12. The Greatest
Depois dela, Chet Faker subiu o som e tentou transformar o gramado numa pista de dança, mas o pessoal estava mais preocupado em enfrentar as longas filas de carregamento do cartão e, mais uma vez, quase ninguém prestou muita atenção, o que acabou não premiando o esforço dedicado Nick Murphy. Como espetáculo de aquecimento, o músico honrou o cachê.
Jack White subiria ao palco com a difícil missão de equilibrar o material dos dois discos lançados em 2022 e pouco conhecidos, “Fear Of The Dawn” e “Entering Heaven Alive”, com o vasto e adorado material do White Stripes, do Raconteurs e do Dead Weather. Safo, Jack White conhece bem as regras de animação de plateia: abriu com duas nova e antes que alguém chiasse ou engatasse uma conversa mais longa, jogou “Dead Leaves And The Dirty Ground”, do White Stripes, mais duas novas, outra do White Stripes e por aí seguiu o cortejo até encerrar de forma previsível e inevitável, com “Seven Nation Army”. Assim, todo mundo pôde falar que foi divertido, tirar suas fotos, cantar e pular com os amigos.
Entregue-se o que o povo quer ouvir, apresente seu material novo e bola pra frente. O novo normal é só normal mesmo.
01. Taking Me Back
02. Fear Of The Dawn
03. Dead Leaves and the Dirty Ground (The White Stripes song)
04. You Don’t Understand Me (The Raconteurs song)
05. Love Is Selfish
06. If I Die Tomorrow
07. Cannon (The White Stripes song)
08. Icky Thump (The White Stripes song)
09. Hi-De-Ho
10. That Black Bat Licorice
11. I Cut Like A Buffalo (The Dead Weather song)
12. Lazaretto
13. The White Raven
14. Fell In Love With A Girl (The White Stripes song)
15. Steady, As She Goes (The Raconteurs song)
16. Seven Nation Army (The White Stripes song)
E teve Pixies de novo no Brasil, graças-aos-céus. Pixies não tem conversa, não tem colé-colé, não tem frescura, nem oi, nem “i love you, Brazil” (teve? se teve, não ouvi), é uma música atrás da outra e já começando com voadoras no peito: “Gouge Away”, “Wave Of Mutilation”, “Head On” e “Gigantic” mostraram o que foram aqueles loucos anos 1990 e do que é feita uma baita banda.
Eles até tocaram uma ou outra de “Doggerel”, o disco de 2022, mas sabendo que essas canções serviriam apenas como intervalo e descanso pras gargantas e pés e pernas da audiência. Existe um Pixies antes e um Pixies depois da parada na carreira. E o antes é o que povo quer ouvir. Ainda bem que é o que o povo teve, pra deixar o dia com uma gostosa lembrança do que é voltar a um festival.
01. Gouge Away
02. Wave of Mutilation
03. Head On (The Jesus And Mary Chain cover)
04. Something Against You
05. Isla De Encanta
06. Gigantic
07. Cactus
08. Caribou
09. Cecilia Ann (The Surftones cover)
10. St. Nazaire
11. Hey
12. Mr. Grieves
13. Human Crime
14. Debaser
15. Planet Of Sound
16. Vault Of Heaven
17. Who’s More Sorry Now?
18. There’s A Moon On
19. Vamos
20. Here Comes Your Man
21. Ana
22. Where Is My Mind?
23. Winterlong (Neil Young cover)
No final das contas, apesar do peso no bolso, foi um dinheiro bem gasto. Não tem preço passar momentos como esses com tantos amigos e tals, com música boa e num lugar bacana e minimamente confortável (pra quê um festival pra trocentas milhões de pessoas? esse formatinho do Popload tá muito bem, ok, obrigado). Alguns passos depois, sem empurra-empurra, sem confusão, estávamos no metrô, de volta pra casa. O novo normal é isso aí: normal. Mas a gente gosta.
Todas as fotos deste artigo são de Camila Cara/Divulgação