No último show do Suicide, que aconteceu no Barbican, em Londres, dia 9 de julho de 2015, Alan Vega já não caminhava sem o apoio de uma bengala e mal conseguia se sustentar em pé. Mas o som que saía das caixas era tão poderoso quanto sempre foi, desde os anos 1970. Martin Rev e ele trucidavam tímpanos com o mesmo fervor que faziam quarenta anos atrás.
Vega tinha 77 anos e morreria um ano depois, aos 78, dia 16 de julho. Era um maluco que já na última curva da vida, após sofrer um AVC e apanhar num assalto violento, tinha forças pra criar, seja pintando, seja esculpindo, seja escrevendo.
“Station”, seu décimo disco-solo, lançado em 2007, como sempre ao lado da companheira Elizabeth LaMere, era violento, mas há quem achasse que ele podia ir mais longe ou, no mínimo, manter o pique. Só que ele praticamente não tinha mais forças pra levar ao cabo tal intenção e um disco novo foi virando o que “It” virou: póstumo.
E é ainda mais contundente que um morto possa ser mais violento que toda essa juventude asseada e cheia de energia que vemos hoje na era da música “digital”. Num mundo de Trump, King Jong-Un, Duterte e golpe parlamentar de Estado no Brasil, os jovens adocicam o som, falam de solidão e do amor incompreendido – e de mais nada. Há de se perguntar onde estão as exclamações.
(você pode ouvir o disco na íntegra clicando aqui)
A bateria eletrônica suja de Vega, tal como nos tempos do Suicide, os berros contra os aproveitadores (“Prayer” e “Prophecy”), os gritos de repúdio (e não de desespero) querendo ser ouvidos, e a incapacidade de aceitar o mundo injusto fazem com que a gente não entenda que alguém possa seguir o caminho da complacência, porque soa até bem simples se indignar e gritar, não importa a idade.
“It” não tem pretensão de nada. Não é novidade. O Alien Sex Fiend bebeu nessa fonte, até o The Fall (por que não?). O tema da morte (“a verdade está morta”, ele canta em “Motorcycle Explodes”) é recorrente, com as fotos da noite de Nova Iorque mostrando uma cidade que, pra se renascer moderna, gentrifica, expulsa os “indesejados”. Então, por que “It” soa tão revigorante?
Vega foi um outsider de qualquer turminha, um idealista que ainda ajuda a criar a imagem do “artista puro”, pra quem só a arte importa.
O título do disco é a foto de uma placa de “exit” (“saída”) pela metade. Há uma sutil mensagem de fim de vida, e essa seria a leitura mais fácil (“DTM” é “Death To Me”), mas não se trata (só) disso. É o convite institucional pros indesejados saírem. Mas Vega e Rev são aqueles indesejados incômodos, que apesar das garrafas que voavam na direção deles na época do Suicide, mantinham-se no palco e faziam lá o estrago que queriam fazer.
Vega não vai sair de cena tão fácil. E nada mais contundente do que um disco póstumo impactante como esse pra passar a mensagem. Os incomodados é que deveriam se mudar.
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1. DTM
2. Dukes God Bar
3. Vision
4. It
5. Screaming Jesus
6. Motorcycle Explodes
7. Prayer
8. Prophecy
9. Stars
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NOTA: 9,0
Lançamento: 14 de julho de 2017
Duração: 52 minutos e 25 segundos
Selo: Fader
Produção: Alan Vega e Liz LaMere