Talvez por eu ter uma queda declarada por no wave e ser fã, basicamente, de todo o movimento de Nova Iorque do começo dos anos 1980 que “Gato/Angular” soou pra mim, mais ou menos, como a redescoberta inovadora de um tipo de sonoridade.
Há, nos primeiros quatro minutos de “Gato”, a primeira faixa, uma ambientação marcada por baixas frases de guitarra, antecipando a comunhão e o andamento vindouro. O Cama Rosa atribui a si mesmo a aura de “mistério” através de sonoridades repetitivas, com movimentação que “regride” – como se, num espaço absoluto e vasto, o som ruminasse sempre pra um interior. Talvez sejam os atos reiterativos ou o fato de eu estar relativamente acostumado com este tipo de música, mas “Gato/Angular” é evidentemente um processo meditativo, pelo menos a primeira peça.
Muito como um mantra (eu não sei exatamente se a dupla – formada por Cindy Lensi na guitarra e baixo, e Bruno Trochmann na guitarra e bateria – tem influência de música oriental), as distorções diluem o espaço introspectivo dos primeiros instantes do disco e transforma-o em terreno passível de ligação com o ouvinte.
Eu quero dizer que, apesar da aparente falta de elementos do disco, através de seu minimalismo, ele é uma matéria deformável que guia e modifica o ambiente ao redor. Em uma era em que críticos exaltam “camadas de layers sonoros interagindo em múltiplos planos”, a honestidade límpida do Cama Rosa surge como uma grata surpresa num ambiente lotado de esmero e, talvez pelo excesso de zelo, criativamente preguiçoso.
Na música da dupla, o que importa é a relação entre os músicos – o que, indubitavelmente, ressoa no ouvinte. O Cama Rosa aposta nessa simplicidade, que de simplista não tem nada.
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1. Gato
2. Angular
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NOTA: 7,0
Lançamento: 20 de junho de 2017
Duração: 18 minutos e 48 segundos
Selo: Independente
Produção: Cindy Lensi e Bruno Trochmnn