POP ASSUMIDO
“Há coisas que sempre causam um certo estranhamento, e isso eu acho que tem um pouco a ver com o estranhamento que nós causamos no começo. Eu acho que o pop, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, está certinho demais. Essas bandas de adolescente são muito de plástico pro meu gosto. É tudo muito bem gravado, tudo muito bem apresentado, bem produzido, mas eu não vejo invenção ali”.
“Quando começamos a nos profissionalizar, ganhar dinheiro e pensar numa continuidade, percebemos o preconceito com a música pop que fazíamos. Mas acreditávamos muito no que estávamos fazendo e fomos em frente”.
As duas frases acima são de um grupo improvável de você ler neste site, o Kid Abelha. A primeira declaração é de Paula Toller, falando de Kelly Key. A segunda, de George Israel, sobre a música pop. Mas, mão à palmatória, a banda está mais próxima de nós do que imaginamos. E essa aproximação se revela faceira e imponente nesse “Desire Lines”, o quinto disco do Camera Obscura.
Os escoceses e os cariocas têm similaridades nos genes musicais. Ambos são pop até os ossos e estão bem resolvidos com isso. O Camera Obscura, nesse novo trabalho, saiu do armário que incomoda muitos indies, de Belle & Sebastian a Daft Punk, e assumiu-se de vez pop adolescente, pop radiofônico, pro que der e vier. Exatamente como o Kid Abelha fez no furacão dos anos 80, disputando espaço com diversidades mais agressivas (pelas guitarras altas) como o Barão Vermelho; poéticas e metidas a cabeçudas, como a Legião Urbana; rebeldias de desobediência civil, como Lobão; e infantilidades como a Blitz e os Miquinhos Amestrados.
É possível teorizar que a longevidade da turma de Leoni, Toller e Israel se deveu justamente por ter se assumido plenamente tão cedo. O pop puro, proposital, dependendo do contexto inserido, pode causar mais estragos e nós na cabeça do que o melhor dos punks.
Ao assumir seu verdadeiro rumo, o Camera Obscura azeita o discurso musical indie do ótimo “My Maudlin Career”, de 2009, pra entregar um disco pop FM, descartável, mas com elegância, como se viu em tantas modas passageiras e que volta e meia retornam.
Em muitas canções, ao fechar os olhos, é capaz de se imaginar a beleza loira de Paula Toller soltando a voz. Não é ela. São as belas cordas vocais de Tracyanne Campbell (de beleza longínqua e aquém à de Toller). Na doçura vocal, as duas empatam, mas Campbell se isola na frente por conta dos arranjos mais elaborados do que os da banda brasileira. E sem o sax mala de Israel a incomodar pós-refrões.
Não, o Camera Obscura se assumiu pop, mas não é bandeiroso. Faz seu trabalho parecer o mais discreto possível, compre quem comprar a ideia. O encanto de “This Is Love (Feels Alright)” e “Troublemaker” no início da obra é arrebatador, pra se pegar sorrindo ou assobiando, independente do que aquela letra diz (e é uma letra positiva: “I fall down like a tonne of bricks / What makes me sick won’t make me quit”).
Mas como na música do Kid Abelha, se ater à significância das letras é perder tempo. O hit do disco, “Do It Again”, mostra a profundidade kidabelhiana da “poesia” aqui: “You were insatiable / I was more than capable / And you fought in my corner / Would you do it again?”. Melhor não se prender muito nessa tarefa.
Ouça “Do It Again”:
Até porque na música jovem – ou pop – essa diminuta profundidade é que acaba causando estranheza nas castas que se acham “mais elevadas culturalmente”. Bobagem, isso não existe, você sabe, a não ser na cabeça desses segregadores culturais. E se causa estranheza e dialoga com as mais diferentes mentes, é pra se aplaudir.
“Desire Lines” parece ter a mesma roupagem do seu antecessor. Mas ele avançou por mostrar uma banda mais solta, sem se preocupar com erudição de qualquer forma. Dar as costas ao passado “indie” com que foi identificado, fez o grupo se apresentar mais solto. A qualidade de “Desire Lines”, portanto, está em ser o mais comercial possível, ou na busca disso.
Contextualizado , porém, o disco não se sustenta, pelo mesmo motivo que “My Maudlin Career” não se sustentava por inteiro: ele derrapa ali pelo meio, colocando canções fracas como que pra preencher o espaço, como a lenta “Cri Du Coeur” (é osso fazer baladas pop, não é pra qualquer um), “Break It to You Gently” e até a faixa-título, que fecha o disco. Uma canção pop deveria, por excelência, pegar o ouvinte de cara, de primeira. Se não for eficiente assim, melhor ficar no limbo.
Por outro lado, a gente sempre vai se lembrar apenas daquelas que nos fizeram felizes, as que nos marcaram. Que se danem as outras. Todos temos nossas preferências. Que bom que o Camera Obscura achou seu caminho. Se você gosta de música pop, genuinamente pop, vai adorar. Não é exatamente o meu caso, mas me curvo à coragem da decisão.
“Fifth In Line To The Throne”:
NOTA: 6,5
Lançamento: 3 de junho de 2013
Duração: 46 minutos e 42 segundos
Selo: 4AD
Produção: Tucker Martine
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