Vamos falar de política. Ou pelo menos falar sobre o que um brasileiro tem a dizer sobre isso, em 2020, numa época tão estranha em que secretários culturais plagiam um discurso nazista enquanto ouvem Wagner e os professores do ensino básico preocupam-se em como vão combater o negacionismo histórico, cada vez mais crescente, nas salas de aula.
Nesse caso, nosso brasileiro é o DJ Cactuar, que estica a sensação de urgência para sua manipulação conceitual e progressiva, alongando o período de imersão numa atmosfera em que a pós-realidade de tantos discursos é substituída por alternativas materiais e espirituais.
Enquanto a administração do tempo permite uma sensação de retorno a novas transigências possíveis, a violência das palavras iniciais vão se esmaecendo numa construção sintética – ainda que hajam as balas, as sirenes policiais e o ódio avalizados.
Na maioria do álbum, o ideal imaginário é referenciado como condição palpável, como se ouvíssemos a utopia enquanto testemunho num mundo de contínua destruição. É mais que isso, é uma retomada das funções primordiais do corpo em meio aos barulhos ensurdecedores da segregação e do ódio.
“Bolsonaro Obaluaê” parece insistir em rituais paralelos ao discurso oficial para redescobrir uma significância diferente de “pertencimento” da que o discurso neopentecostal e fundamentalista profere. Ainda assim, desde o início – das palavras bestiais proferidas ,- o álbum não nega esta realidade (ele é bem afirmativo nesse sentido), mas esclarece condições sonoras que não só a combatem, mas referenciam outro modo de ser no mundo.
Sim, pode haver um subtom de surrealismo em todo o álbum, mas é porque a criação ativa – aquela que reconhece os obstáculos do mundo e propõe outras relações nesta mesma materialidade – jamais se recusaria a ceder a um discurso em que só transparecem intolerância, violência e inclemência.
Antes de tudo, é um disco que serve como método terapêutico para combater os olhares ferozes e violentos, infelizmente tão comuns nos tempos presentes.
—
1. Bolsonaro Obaluaê
Parte I. O Filhote Da Ditadura (The Dictatorship Son)
Parte II. Atotô Ajuberô Obaluaê!
Parte III. O Primeiro Centenário Da Proclamação Da Independência De Nossa Amada Nação (The First Centenary Of Our Beloved Nation’s Proclamation Of Independence)
—
NOTA: 8,0
Lançamento: 7 de janeiro de 2020
Duração: 22 minutos e 00 segundos
Selo: Independente
Produção: Robson Thiago
Genial e sensível! Música com sentimento e por amor!
Ouvimos utopia, surrealismo, o sagrado. Como é bom ter toda essa sonoridade passeando por nossa audição e sentidos diversos. Reverencio!
Ouvimos utopia, surrealismo, o sagrado. Como é bom ter toda essa sonoridade passeando por nossa audição e sentidos diversos. Reverencio! Parabéns, Diego!