RESENHA: KALOUV – ELÃ

Um impulso. A música normalmente nasce de um impulso. Mas ela é matemática, cria da imaginação em coito com a transpiração. Não nasce de primeira, embora aconteça por raro. Na sua maioria das vezes, a música é um exercício exaustivo de técnica e execução.

Há, talvez, pouco de espontâneo. Quase nada de súbito. Há muito ensaio, até mesmo na mais reles banda punk ou de garagem, com toda a sua raiva e mecanismos de destruição. Nem mesmo a raiva pura é espontânea nas artes. Um retoque sempre existe.

O “Elã” dos pernambucanos do Kalouv não tem nada de espontâneo. É o nome do cachorro do caseiro que cuidava do sítio em Carpina, no interior de Pernambuco, onde a banda gravou o disco. A curiosa coincidência identificada pelo grupo como status de vivência à época norteou o trabalho.

Esse é o terceiro disco cheio do Kalouv. Antes, tivemos “Pluvero” (2014, ouça aqui) e “Sky Swimmer” (2011). Não se pode negar que o Kalouv tenha coerência. Seus discos são como um mar descansando, sem ondas, sequer sem marolas. É pra flutuar sem riscos.

Vídeo oficial de “Moo Moo”:

Vídeo oficial de “Depois Do Escuro”:

Em “Elã”, o ouvinte precisa chegar até a faixa-título, a quarta, pra ouvir algo diferente. É mínimo, mas interessante, bem interessante. Umas teclas mais salientemente jazzísticas, uma sonoridade que soa (mas não posso garantir que seja) improvisada, destoa do flat que é esse post-rock padrão. Há vozes também, algo que não existia até esse disco – vozes como instrumento, não como via poética.

“Hotline Miami” é misteriosa, agitando um pouco essa calmaria insossa. Oitentista, tem clima de uma deliciosa saudade, daquelas que, contraditoriamente, não se tem impulso algum de reviver, só mesmo de recordar. As boas memórias talvez sejam essas, à prova de frustrações.

“Depois Do Escuro” encerra o melhor trecho do disco, com uma linha de atuação que lembra o Mogwai de “Rave Tapes” e creio que isso seja um baita elogio.

Ainda assim, é possível sentir falta do tal elã, do impulso, da explosão de sentimentos. Não que a música do Kalouv não toque ninguém. Isso é uma nota bem pessoal. Mas é uma banda excessivamente raciocinada, com pouca flexibilidade. “Elã”, com seus trechos fora do lugar-comum da própria banda, aponta uma possibilidade de emoção futura (os ruídos do trecho final de “O Escultor” são reflexo disso?). Não é um movimento brusco, mas é um movimento, o que já é alguma coisa – “um passo e você já não está no mesmo lugar”, diz o poeta.

“Rei Sem Cor” tem uma levada pouco alinhada com os post-rocks padrões. Piano e percussão dão o tom, ao invés da guitarra. Aqui, o mar já não está mais calmo, há ondas, uma certa tempestade. A natureza do músico mostra sua imensidão. O Kalouv, ao invés de se apegar à terra firme da falta de ímpeto, pode ser que tenha preferido se afogar numa travessia de certa ousadia. Só não pode ter dúvidas quanto a isso.

Só chega lá quem tenta. Às vezes, planejar demais pode atrasar uma viagem que se faria com a simples vontade de seguir em frente.

1. Pedra Bruta
2. Moo Moo
3. Máquinas
4. Elã
5. Hotline Miami
6. Depois Do Escuro
7. O Escultor
8. Rei Sem Cor
9. Mergulho Profundo

(baixe o disco de graça clicando aqui)

NOTA: 6,0
Lançamento: 18 de outubro de 2017
Duração: 40 minutos e 11 segundos
Selo: Sinewave
Produção: Bruno Giorgi

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