O Kasabian está pra música assim como a Marvel está pro cinema. Antes de tentar entender isso como um elogio ou uma ofensa, vale refletir sobre o que a agora produtora andou fazendo pro entretenimento cinematográfico nos últimos quinze anos, principalmente.
Há filmes de ação antes da Marvel ser massivamente adaptada pro cinema, e há filmes de ação após a Marvel ser a principal mina de ouro de blockbusters. Antes, filmes de ação eram divertidos passatempo. Hoje, nos dão a mesma sensação de encarar uma montanha-russa – não à toa, há quem chame esses filmes de “rollercoaster movies”.
Do começo ao fim, o filme não desacelera: explosões, perseguições, lutas, velocidade, quedas vertiginosas, tudo pro espectador não ter tempo de pensar. A trama é o de menos. Verossimilhança idem – na concepção principalmente, afinal, são filmes de super-heróis.
São obras que pouco têm a dizer, conteúdo zero (raras exceções existem, como a pré-sequência de “O Planeta Dos Macacos”, que ousa discutir política e que, coincidentemente, não é Marvel), que servem pra pura e simples diversão, um passatempo eletrizante e adequado à velocidade de informação e comunicação que o mundo e as novas gerações têm à disposição e tornaram base do relacionamento humano. Ninguém tem tempo pra ficar refletindo: as coisas são ou não são, acontecem ou não acontecem.
Porém, é divertido. Tanto quanto gastar horas numa rede social, jogando conversa fora e compartilhando besteira, sem conteúdo ou reflexão alguma, esses filmes cumprem tal papel na sala de cinema. Não é pra dizer nada, é pra assistir, desligar e se divertir. Que mal há nisso?
Nenhum, nenhum. E o Kasabian sabe disso, percebeu isso.
Em seu quinto disco, “48:13”, de 2014 (detalhes aqui), a banda explicita que não há tempo a perder, e se você quiser entrar nessa, o título já entrega quantos minutos você vai precisar, se quiser digerir tudo de cabo a rabo. Cinquenta minutos é um bocado de tempo nos dias de hoje, mas ainda é bem menos tempo do que as duas, duas horas e meia dentro do cinema sem poder (é o que manda a etiqueta) dar uma olhadinha no celular. Esteja, pois, avisado.
O novo trabalho, porém, não é pra ser digerido de cabo a rabo. Tanto faz se você vai ouvir inteiro. O Kasabian não tem nada a dizer que ele já não tenha dito nos discos anteriores – e que já não tinha lá muita importância, afinal ninguém pode afirmar que, tirando umas boas frases de efeito, a banda saiba escrever letras ou que elas tenham alguma profundidade.
O disco foi feito pra diversão, uma versão montanha-russa da música dos ingleses. Pegue qualquer música e imagine-a tocando no último volume, numa balada indie qualquer. Ou num show de arena. “Bumblebeee” (a música do “I’m in ecstasy”) praticamente pede pra turba pular de mãos pra cima. Qualquer semelhança com as intenções popularescas do axé, sertanejo universitário e coisas como Charlie Brown Jr. não são coincidência: a ideia é não pensar e se entregar à diversão inconsequente.
“Stevie” tenta ser política e mais séria mas é só uma música pop eficiente pra tocar em FM. “Doomsday” tem com uma jogadinha oriental e não faz diferença no todo.
“Explodes” é eletrônica-introspectiva, pedindo por remixes espertos pras pistas de dança, local adequado pra ultra-montanha-russa “Eez-eh” (da frase infame “Everyday is brutal / Now we’re being watched by Google”). “Clouds” tem um início kraftwerkiano/synth e descamba pra uma linha sessentista. “S.P.S.” é o Kasabian tentando soar Oasis.
“Glass” tem a participação de Suli Breaks num rap final, com lugares-comum como “But still afraid to question why / One of the biggest criminals I ever met wore a suit and tie”, e não tem como não lembrar do rap final de “Radio Song”, do REM, lançado, veja, vinte e três anos atrás.
O melhor está em “Treat”, uma das que deveriam aparecer num futuro “best of”, dançante e grudenta, com um recheio indiano e com boa variação ao longo dos seus quase sete minutos.
Ouça na ordem ou não, tanto faz. “48:13” é fruto do seu tempo, descolado, pretensamente moderno (e como toda obra com essa etiqueta, tende a envelhecer logo) e descartável. O Kasabian é esperto. Sacou o que a molecada queria e a obra chegou rapidamente a disco de ouro na Grã-Bretanha (primeiro lugar na Inglaterra e na Escócia, segundo lugar na Irlanda).
Mesmo sem nada a dizer, a molecada tá ouvindo. Afinal, o público só quer um passatempo, só quer se divertir. É assim que é no século vinte e um.
NOTA: 6,5
Lançamento: 9 de junho de 2014
Duração: 48 minutos e 13 segundos
Selo: Sony Music
Produção: Sergio Pizzorno