RESENHA: RADIO DIASPORA – RD3

Lançado em 20 de novembro de 2018, o Dia da Consciência Negra, data atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, “RD3”, o terceiro trabalho do Radio Diaspora, não podia ser mais direto em seu esforço de comunicação e preservação da memória. Ele segue o que os antecessores já expandiam: “os verbos sonoros da Diáspora africana, através do experimentalismo do jazz e da improvisação livres”.

Não há margem pra dúvidas nas homenagens. Se em “Radio Diaspora 2” (2017, ouça aqui), os temas abraçavam o palco de Birdland, Calunga, o afoxé, aqui temos Fela Kuti, Naná Vasconcellos, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, todos reforçando o patrimônio cultural negro, o elo entre os destinos e a África, na diáspora forçada pelo tráfico de escravos.

“Novamente está em jogo a celebração da herança afro-diaspórica em intensidades sonoras”, diz a dupla formada por Wagner Ramos (bateria e eletrônicos) e Romulo Alexis (trompete e eletrônicos). A música entre elas, claro.

A herança da livre iniciativa cultural, a dificuldade do trafegar prosaico pelas artes e vida, os atritos raciais, a ignorância e estupidez racistas, a imprecisão histórica, a desigualdade, todas as características do maior crime social já cometido pela humanidade, com reflexos ainda hoje (e por muito tempo ainda), desaguam na criação livre da dupla, no trompete de Alexis e na bateria percussiva de Ramos.

É o caos ajustado às necessidades. Uma nova ordem. Uma nova precisão reassimilada constantemente. A negritude pode estar em qualquer arte, de qualquer forma, não há barreiras nem linguagens restritivas, mas a dupla utiliza-se de colagens de discursos, poemas, do próprio jazz, pra caracterizar suas homenagens – em outras palavras, utilizando-se das expertises que artistas negros demonstram há muito tempo. Não é um problema, por certo, mas é curioso: a Radio Diaspora celebra a herança apenas com as mesmas ferramentas que o andamento da história “permitiu” aos negros.

Nos seis temas do disco, a dupla se derrama com tanto amor na proposta que não há como qualquer problema faça-se importante, enquanto se desenrolam a criatividade e o fervor da interpretação.

E assim, enquanto nos debatemos sobre a concretude de ações que revejam a desigualdade histórica, milhares de pessoas criam e desenvolvem músicas, filmes, poemas, danças, expressões culturais que vão demonstrando os ganhos da diáspora forçada, num balanceamento que faz justiça à expressão de que até no pior dos crimes é possível ver algo positivo. A dupla Radio Diaspora, aqui, dá duas contribuições: sublinha uma história que não pode ser esquecida ou recontada ao bel prazer dos criminosos (ainda no poder por todos os cantos), e mostra o lado otimista de pessoas que apesar de todas as violências seguem em busca de uma vida plena e com as mesmas oportunidades.

Em outras palavras, quem não recorda e não reage, rasteja.

1. Abdias
2. Nego Solano
3. Foice À Face
4. Ecos De Naná
5. Felakutagem
6. Negra Y No Morena

NOTA: 8,5
Lançamento: 20 de novembro de 2018
Duração: 66 minutos e 50 segundos
Selo: Sê-lo!
Produção: Radio Diaspora

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