RESENHA: RAKTA NO SESC POMPEIA – COMO FOI

Não são tempos fáceis. O Brasil vive uma agressão à democracia, com a presidente eleita Dilma Rousseff sendo deposta do poder por alegações de injúria ao orçamento da União, pra levar ao poder uma turba de conspiradores e corruptos que desejam claramente “estancar a sangria” de uma operação da Justiça pra prender… corruptos.

Não se fala outra de coisa. O país fica em suspensão, à espera do novo escândalo, de modo que há pouco espaço pra falar de música.

Nenhuma reclamação aqui, ao contrário. A meu ver, esse é o momento ideal pra fazer música, pra atritar com o poder dominante, pra fazer arte, pra se expressar.

Além do quê, afora os problemas políticos, a sociedade vive com suas doenças crônicas: racismo, má distribuição de renda, educação precária, violência, corrupções diárias, agressões contra minorias e violência contra a mulher. Se nos anos de chumbo, os artistas tinham a censura e a ditadura como alvos, e eram temas pujantes, as atuais gerações, lotadas de informações e maneiras de se comunicar e agrupar, não têm do que reclamar. O artista anda como num supermercado de mazelas sociais. É só escolher um tema. Só não vale se ausentar.

Pois se tem algo que as três moças do Rakta não fazem é se ausentar do debate. Os casos de estupro coletivo assustam o Brasil e a naturalidade com que as forças retrógradas se postam na pressa de acusar a vítima e relativizar o problema potencializam o espanto. É uma questão cultural que a banda se roga em tomar pra si como temática. São mulheres e são músicas criadoras como poucas no atual momento do subterrâneo nacional.

Com apenas um disco lançado, em 2013, as moças estão prestes a lançar o segundo, e esse show na choperia do SESC Pompeia serviu a isso: mostrar as músicas novas e vender o mais recente compacto, “Intenção” (com “A Busca Do Círculo” junto – ouça aqui).

O que faz a Rakta ser uma banda tão relevante nesses conturbados dias de hoje é a união da luta por uma causa justa com a sonoridade pós-punk de fazer inveja às britânicas Savage – ou dar orgulho às icônicas Mercenárias.

As três usam e abusam dos climões, dos vocais com efeitos, do baixo distorcido, da bateria seca. A iluminação escuro-vermelha-sangrando engrossa o efeito cênico da violência. A primeira canção apresentada é “A Violência Do Silêncio”. O pacote tá entregue.

O diabo é que eu queria ver o efeito que essa poderosa composição de discurso, postura, música e efeito cênico daria em não-iniciados. Ali na choperia do SESC Pompeia, parecia haver apenas conhecidos, amigos, artistas e afins. Não é pouca gente, porém. Chuto umas duzentas pessoas pra mais. Mas creio muito poucos ali fossem virgens com o som da Rakta.

De qualquer forma, mesmo nessa gente já iniciada, o trio exerce um hipnotismo eficiente. Não se ouve zumzumzum na plateia, não há celulares ligados, é um show pra se ver e não pra ser visto.

É uma apresentação curta. São sete músicas apenas. Haveria tempo de sobra uma comunhão maior com a plateia.

No alto da explosão, a tecladista e vocalista Paula Rebellato dedica o show “a todas as mulheres”, consegue uma ovação e um “fora, Temer!” apropriado ao público e ao fervo dos tempos atuais. Respondeu com um “‘fora, Temer!’, com certeza” um tanto tímido. A interação ficou por aí. Um artista messiânico qualquer faria desse momento um palanque e receberia de volta outras tantas ovações. A Rakta tem essa timidez ora frustrante, mas compreensível: o que vale é a música, o discurso e a postura que estão ali, as atitudes, a dança, o ritmo, a indignação. O palco é palanque pra poesia sonora. Ali se faz política através da música.

Carla Boregas (baixo), Paula e Nathaalia Viccari (bateria), entretanto, estão além dessas questões. Ao vê-las em ação no palco, pulsando uma energia rara no subterrâneo da nossa música, os arrepios vêm com a satisfação de ver gente com coração pra assumir uma postura.

Nos dias de hoje, ao artista se exige coragem tanto quanto talento.

1. A Violência Do Silêncio
2. Raiz Forte
3. Serpente
4. Filhas Do Fogo
5. Conjuração Do Espelho
6. Intenção
7. A Busca Do Círculo

Vídeos das três primeiras canções do show:

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