RESENHA: SETH GRAHAM – GASP

O resultado é um álbum cuja evidência de formas é incontestável (muito parecido com a capa, nesse sentido). Toda música de fundo é também sua superfície, não há nada restringindo início ou fim dos sons. Como Seth Graham nos lembra que a cristalização é algo muito intermediário, como se os textos e imagens da ultratecnologia confirmassem a estagnação na espuma autorreferente, como se definir a emergência do desencontro não fosse mais possível.

Pra diminuir os riscos que nos colocamos confortavelmente nos lugares-estáticos. Neles, até mesmo a performance é vista com deboche, pois isso indicaria, ao menos, algum desconforto. Uma mensagem de um amigo virtual falando mal de um conhecido virtual e nossa transição entre essas tímidas espumas, cada vez mais em diminuição enquanto a ideia de expansão persevera (o consumo aumenta, ouve-se músicas de todos os continentes, mas sempre refém de uma referência necessária, e é essa referência o passaporte só de permanência em seu nicho social, político e cultural, ela é sua segurança).

O que não é explicado por esse estágio do capitalismo tardio é que os tentáculos das possibilidades são, na verdade, detentores de movimentos. Ter alguém que consome é ter alguém estático. A ideia de conforto se prolonga enquanto se assiste a um filme e sente-se bem, enquanto tuíta-se uma experiência sem saber dizer o que ela foi realmente ou a cor do céu acima. Como forma musical, a colagem sonora espelha esses epílogos de experiências, essas superfícies sonoras e digitais pra estimular um caminho de acesso ao que está velado sob a abundância e a velocidade. Como Noah Creshevsky, a função do disco também é reanimar os mortos-vivos, fazer o caminho de volta no mar digital e estimular alguma reação. Procurar evocar esse acesso não impondo um conservadorismo teológico e nem se levar muito a sério que permite que esses músicos capturem as reticências esquecidas e as transformem numa rapsódia de estímulos, buscando reencontrar corpos cuja ressonância seja possível.

No quase meio de 2018, a repetição de que a realidade está fodida soa enfadonha, assim também como a ironia pura que alguns artistas minuciosamente exploram, colocando pequenas referências aqui e ali, certeiras, pra agradar um público que aparentemente engole qualquer coisa que seus ídolos fazem (Kanye West, talvez, o maior exemplo).

A propagação do humor que afirma a condição de estranhamento em meio a um mundo que todos atestam estar em decadência, de um deboche com afirmações tão clichês desse tipo enquanto arremessa sons aleatórios, como uma rádio AM em mau funcionamento, possibilita que os vestígios, engraçados, nos deem pequenas sinalizações de que há outras coisas sendo feitas. Esse não é humor feito pro espetáculo, que vai se apoiar nas risadas já garantidas pautadas em timing de sitcoms ou algoritmos de redes sociais, mas uma comédia que ri da abundância de coisas e do paradoxo do quão pouca elas dizem. Se elas já vêm encarnadas em denominações, elas são privadas da capacidade receptiva e criativa, elas são apenas esferas de locais seguros e internalizados. Elas não mais impressionam, elas são a repetição exaustiva das fórmulas tão conhecidas.

Elas não te interrompem, elas confirmam suas escolhas de anos atrás e já foram arquitetadas antes de existirem – elas nasceriam, de qualquer forma, ainda que em outro nome ou alcunha. Elas são universais, apenas fragmentadas em pequenos nichos: uma guitarra ali, uma batida aqui etc. Elas não vêm invocadas, mas meticulosamente planejadas e, por isso, tão diferentes do humor visceral deste disco. Neste ponto, o que surge, a partir da audição, são evocações engraçadas que parecem seguir uma ordem superior abstrata e jocosa de alguém que ri verdadeiramente não por causa de alguma piada sobre um estilo musical engraçadinho dos anos 90, mas que vê no humor uma possibilidade de criação e rompimento no mar digitalizado.

Em “Gasp”, os suspiros (que é a tradução literal do nome do disco) oprimidos revertem a situação e parecem questionar: por que tanto escândalo? Por que tanto pessimismo e cinismo? (A média curta de duração de álbuns desse tipo reforçam o caráter humorístico enquanto flerta (quase) emocionalmente com segmentos “musicais” – melodias de óperas interrompidas por onda de ruídos, um excerto de música clássica irrompendo em estridência etc. Se o músico está brincando de fazer música ou está brincando com a noção tradicional de fazer música não é o mais importante – o que mais chama a atenção é a aceleração que as imagens criadas, a partir de sons, ganham durante todo o disco).

Em uma multidimensionalidade, essas estruturas intricadas desfazem-se de suas complexidades pra transformarem-se em puro barulho, puras imagens circulando num epicentro cujo núcleo abriga criação e potencializa intimidades. Hoje, o humor transformou-se em uma mera ferramenta de depreciação passiva e cínica utilizada por nomes patéticos de stand-up, mas quando sua honestidade se expurga (o músico sabe ou não o que está fazendo? Há algum propósito se não o de divertir-se?) que a dinâmica das coisas possui um novo olhar, esperançosamente mais benévolo. Essa música pertence ao olhar sedento por capturar momentos e, rapidamente, transitar a outros sem hiperlinks ou construções – mas por mera associação afetiva. A andança virtual do criador espera transitar entre as espumas referenciadas no começo do texto, conectá-las através de uma criação que acolha o caos porque enxerga nele uma potencial forma de reunir esferas distantes novamente. Graham posiciona o humor primário como possível forma de interligar polos contrários (a música formal e a música que é puro barulho, por exemplo). É a melhor maneira de conviver com os ruídos digitais: encará-los como potenciais fontes criativas aguardando uma coligação.

01. My Desire For You Is To Stop Being A Fuck Wad
02. Whisper Slap
03. RMB
04. Kimochi
05. Binary Tapioca
06. Nai
07. Shi
08. Flower Cheese
09. Mas Que Fin
10. Talk

NOTA: 8,0
Lançamento: 23 de março de 2018
Duração: 27 minutos e 10 segundos
Selo: Orange Milk Records
Produção: Seth Graham

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