O conceito da distância e a dificuldade que ela expõe é escancarado logo nos dois primeiros minutos de “Fotografia De Rachadura” (leia mais e escute na íntegra aqui). Vitor Colares diz sobre a dificuldade de esquecer alguém e a necessidade de fugir e esquecer, embora ele com certeza saiba que compor é imortalizar o efêmero, dar voz a um trânsito.
Nessa postura, o artista sai do esconderijo e constrói, com suaves estruturas de seus instrumentos, uma cabana localizada num imenso descampado, vulnerável em tamanha imensidão. O local, em si, não existe – mas pra estar aberto a uma visitação é necessário que Vitor esteja exposto. Nesse jeito doido de demonstrar as coisas que ele deseja é que transparece uma vulnerabilidade demasiado humana submersa em suas experimentações sonoras. A situação de desamparo e as dúvidas constantes sobre fugir ou ficar carregam o eu-lírico, que está numa encruzilhada, e testemunhar sobre sua condição é, também, lutar contra o impedimento de seguir em frente.
Por trás de cada estrutura sonora reside uma intensidade cujas cinzas são testemunhos radicais de lugares experimentados pelo artista. “Fotografia De Rachadura” é um diálogo direto das impressões do mundo de alguém que se sente abandonado, mas insiste nessa sensação de desamparo e quer ir fundo nos rastros do que foi um dia. A apresentação do ambiente ao redor é um lamento sobre um amor que ele não pode recuperar e o futuro do pretérito repetido algumas vezes, “eu te daria tudo, meu amor”, assola um futuro cuja fragmentação depende – radicalmente – do que ele vai fazer a partir de agora.
A imediata correlação entre tempos é o que toma conta de “Fotografia De Rachadura” não só nas letras como no instrumental. Sobrepõem-se instrumentos em ecos conjuntamente com a gentil voz de Vitor, dando a impressão de que o cantor está num pequeno cômodo cujas paredes estão completas por fotografias antigas, e essa observação transporta o eu-lírico pra outras possibilidades, outras vivências: uma vida não vivida.
A repetição incessante da frase “amar você”, em “Ecdise”, deu-me a reiteração das coisas dispostas nas faixas anteriores e a constatação seguida – “eu não posso mais” – cresce com ruídos que imprimem noção estritamente cruel do fim do amor. Neste lugar de testemunho, o “fim de tudo” – pra Vitor – é uma coisa bem clara e é semeado com o fim do amor. Não há mais promessas. Não há mais romances. É o fim da vida.
Podemos ver em rostos estranhos signos que nos são comuns e dessa forma os lamentos artificiais caem e quebram-se. A partir dos estilhaços, é muito difícil construir algo novo. “Fotografia De Rachadura” é sobre a hercúlea dificuldade desse processo.
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NOTA: 8,0
Lançamento: 19 de julho de 2017
Duração: 32 minutos e 39 segundos
Selo: Independente
Produção: Vitor C.