REVISITANDO: BARBARA – DIS, QUAND REVIENDRAS-TU? (1962)

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Talvez as pessoas não saibam que foi Hubert Ballay, nascido em 1928 e morto em 2013. Mas ele tem uma importante participação na música francesa popular.

Ballay era um típico aventureiro, alma livre, que virou herói durante a Segunda Grande Guerra. O itinerário de vida deste personagem já era notável aos 14 anos: em 1942, durante o caso do Vélodrome d’Hiver (o maior aprisionamento de massa de judeus realizado na França durante a Segunda Guerra Mundial), salvou dois colegas. Quatro anos depois, foi nomeado para a Ordem da Nação, título honroso dado pelo país, por sua bravura durante a Libertação de Paris dos nazistas.

Ele se tornou diplomata, sendo um ator importante na descolonização da África negra.

Em novembro de 1959, Hubert Ballay tinha tinha pouco mais de 30 anos quando, em uma viagem a Paris, conheceu Monique Andrée Serf, uma moça de 29 anos (nascida em 1930), que atuava em badalados cabarés parisienses sob o nomes de Barbara (Brodi). Os dois, claro, se apaixonaram. E foi aí que começou a história de um dos clássicos populares franceses.

Foram três anos de intensa paixão. Antes de Ballay, Barbara não cansou de dizer em entrevistas, ela só escrevia canções pro amor das outras, sobre outras mulheres. Mas essa paixão arrebatadora mudou tudo.

Ballay passou a atuar em Abidjã, a maior cidade e capital política da Costa do Marfim. Ele passava mais tempo fora do que na residência que passaram a morar os dois, na pequena rua Rémusat, no 16 arrondissement de Paris, a três quadras do Sena, e bem próximo da Torre Eiffel – uma rua bucólica, com a calçada ladeada por plátanos.

No desesperador fogo da saudade, Barbara chegou a ir pra Abidjã com seu amado, onde ela passou a levar uma vida de casada, mas só ela. Ballay, tinha suas escapadas infiéis. Barbara, claro, se irrita: “seus convidados são uma merda, Hubert! E nem mesmo em meias de seda! Mas eu admito que neste ponto, eles têm a desculpa do clima! E saiba, por favor, que não estou aqui pra enrolar as lindas mulheres que o ‘Sr. Gerente Geral do Fundo de Benefícios Sociais’ (título que ele carregava) teve a gentileza de beijar!”.

Barbara chegou a admitir que havia se apaixonado por esse sedutor (que, não importa a época, não passava de um canalha machista) e que era difícil se desvencilhar. Não só em beleza, Ballay era hábil negociador, era sensível e passou a escrever músicas com ela. Ballay chegou a ser diretor-artístico da Barclay Records (hoje da Universal), pra se ter uma ideia.

Uma das músicas que a lenda diz que ele ajudou Barbara a escrever foi justamente o maior sucesso dela e aquela inspirada no próprio Ballay: “Dis, Quand Reviendras Tu?”, ou “diga, quando você volta?”, numa clara alusão ao distanciamento que o casal experimentava a cada viagem de Ballay à Costa do Marfim.

Sua letra tem trechos irretocavelmente melosos: “Et j’ai le mal d’amour, et j’ai le mal de toi” (“Estou sofrendo de amor e sofrendo de saudades de você”), “Voilà combien de jours, voilà combien de nuits / Voilà combien de temps que tu es reparti / Tu m’as dit cette fois, c’est le dernier voyage / Pour nos cœurs déchirés, c’est le dernier naufrage” (“Veja há quantos dias, há quantas noites /
Há quanto tempo, você se foi / Você me disse: Desta vez, é a última viagem / Para os nossos corações despedaçados, é o último naufrágio”.

Sem contar o refrão espaçado, com “Dis, quand reviendras-tu / Dis, au moins le sais-tu / Que tout le temps qui passe / Ne se rattrape guère / Que tout le temps perdu / Ne se rattrape plus” (“Diga, quando você volta? / Diga ao menos se você sabe / Que todo o tempo que passa / Não pode ser recuperado / Que o tempo perdido / Não se recupera mais”).

A forma regular do poema o tornou um clássico da canção francesa. É composto de três versos, oito em alexandrinos (versos em doze sílabas) e um refrão, em hexassílabos. Rimas são seguidas, com respiração particular, algo que a tida como autodidata Barbara (frequentou por três anos o Conservatório de Paris em canto lírico), “com ouvido absoluto”, exalta Ballay na sua autobiografia, que leva o mesmo título da canção, imprimia como marca própria.

O refrão é composto por duas frases interrogativas, mas termina com um ponto de exclamação ao evocar o tempo perdido.

O texto do poema não informa o gênero nem o sexo dos personagens, exceto nas duas últimas linhas (“Je ne suis pas de celles qui meurent de chagrin / Je n’ai pas la vertue des femmes de marin” – ou “Não sou daquelas que morrem de luto / não tenho a virtude das esposas de marinheiros”).

Mas é Barbara pura. E essa apresentação em 1965, na Suíça, deixa claro:

Sua trilha começou cedo. Aos 20 anos. Querendo a todo custo conseguiu realizar seu sonho de se tornar uma “pianista cantora”. Pra isso, ela deixou Paris em fevereiro de 1950 e foi para Bruxelas.

Na capital belga,viveu com um advogado que frequentou o meio cultural local dos anos 1950. Foi musa do poeta Paul Nougé, cujos textos cantava. Seu fascínio vai para artistas realistas: Edith Piaf, Fréhel, Harry Fragson, Marianne Oswald. Essa Bárbara, com tremolos líricos, consegue quebrar a voz até encontrar uma brincadeira musical, poética e sonora que ela admira. Ela foi contemporânea de Serge Gainsbourg e Claude Nougaro.

Cantou em cabarés lá e em Paris, inclusive no famoso L’Ecluse, de onde sai seu primeiro disco, de 1958, “Barbara À L’Ecluse”.

Ela acreditou que poderia chegar ao Olympia, quando Félix Marten, estrela cadente da canção, impulsionado por Edith Piaf, sua amante, sua mentora, se ofereceu pra se apresentar na primeira parte de seus shows no Bobino.

Com o fracasso, a paciência da cantora foi tomando, então, uma forma de amargura. Virou a “cantora da meia-noite”, sempre de preto, tinha vergonha de mostrar o corpo.

Mas “Dis, Quand Reviendras Tu?” lhe abriu portas. Ela realmente ficou famosa. Fez teatro, fez cinema.

Hubert Ballay teve grande participação na composição do seu grande sucesso, e cedeu seus direitos sobre a música. “Aquela Bárbara que na época estava no L’Écluse, a cantora que lutava pra entrar no Music Hall precisava de seus possíveis benefícios financeiros mais do que eu, era óbvio pra mim”, contou Ballay, já um alto funcionário público em Abidjã.

A música é hoje uma das mais aclamadas e importantes do repertório popular francês.

O casal não ficou junto pra sempre. Barbara teve outros amores, a fila andou com classe e ela se divertiu. Poderia ser, sim, um final feliz. Mas ela morreu em 24 de novembro de 1997, pelo tanto de estimulantes e medicamentos pra ansiedade que tomou, além de corticosteroides pras cordas vocais. Ela tinha 67 anos.

Seu enterro levou uma pequena multidão chorosa por saber que aquela força jamais voltaria. Mas o tempo não foi desperdiçado e ele pode ser recuperado, pelo menos na arte.

Há inúmeras e inúmeras versões de sua mais importante canção. Da original, abaixo, se retirou ótimas interpretações, embora nenhuma com sua voz e seus detalhes:

A mais famosa versão, porém, está no filme (filmaço!) “Há Tanto Tempo Que Te Amo” (“Il Y A Longtemps Que Je T’Aime”, 2008, direção de Philippe Claudel), feita por Jean-Louis Aubert, com uma verve mais folk, o que, definitivamente, agrada mais às novas gerações.

Uma canção tão contundente sobre o amor, sobre a saudade, sobre a dor de viver longe de quem se ama, obviamente ficaria pra eternidade. Por mais que os amores (e a vida) sejam passageiros.

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