Catherine Spaak nasceu em 1945, em Boulogne-Billancourt, parte da grande Paris onde ficam alguns ricaços e empresas bem estruturadas. Sua família tem história.
Sua mãe foi Claudie Clèves (Alice Perrier), atriz francesa de poucos filmes no cinema (mas que inclui “Tout Pour L’Amour”, de Henri-Georges Clouzot). Seu pai foi o roteirista Charles Spaak, de, entre outros, “A Grande Ilusão” (“La Grande Illusion”), filmaço de Jean Renoir, de 1937. Seu tio Paul-Henri Charles Spaak foi por três vezes primeiro-ministro da Bélgica (além de secretário-geral da OTAN, presidente da Assembleia-Geral da ONU e um dos idealizadores do que viria a ser a União Europeia). Seu avô, pai de Charles e Paul-Henri, foi Paul Louis François Spaak, diretor do Théâtre Royal de la Monnaie, que nada mais é do que a Ópera Nacional da Bélgica. Sua avó foi Marie Janson Spaak, a primeira mulher eleita pro Parlamento belga, cujo irmão, Paul-Émile Janson (tio-avô de Catherine) foi primeiro-ministro da Bélgica. Sue bisavô foi Paul Janson, ministro belga em 1912. Seus primos, Fernand Spaak e Antoinette Spaak se tornaram políticos, diplomatas e importantes nomes da Bélgica. Sua irmã, Agnès Spaak, foi uma atriz, como ela.
Com uma árvore genealógica dessas, dinheiro no bolso, boa educação e uma beleza acachapante, seria bastante difícil Catherine não se tornar quem se tornou: uma atriz e cantora deliciosamente talentosa, carismática e atraente.
Assim como a irmã Agnés, Catherine começou cedo no cinema, algo inevitável com a mãe atriz e o pai roteirista. Mas a beleza das duas era algo incrivelmente impossível de não se notar. Agnès, um ano mais velha (é de 1944 e ainda está viva, até o momento em que este texto é escrito), fez o primeiro filme em 1962, “Doce Violência” (“Douce Violence”), de Max Pécas, aos 18 anos. Mas Catherine começou antes, aos 15 anos, no cinema italiano, com “Amantes E Adolescentes” (“Dolci Inganni”, 1960), de Alberto Lattuada, um descobridor de novos talentos, onde faz uma adolescente apaixonada por um homem vinte anos mais velho – o filme causa polêmica, o escândalo encontra problemas com a censura e a publicidade ajuda a impulsionar sua carreira.
Ela começou pelo país vizinho porque Sophia Loren ficou impressionada com sua beleza na pequena participação no bom “A Um Passo Da Liberdade” (“Le Trou”), de Jacques Becker, também de 1960, e pela entrevista que deu depois à TV francesa.
Catherine deslanchou com títulos como “Um Pedaço De Mau Caminho” (“La Voglia Matta”, de Luciano Salce, de 1962), com sua adolescência de maiô no cartaz do filme; “Brotos Ao Sol” (“Diciottenni Al Sole”, de Camillo Mastrocinque, de 1962); e, especialmente, o excepcional “Aquele Que Sabe Viver” (“Il Sorpasso”, de Dino Risi, 1962), que exemplifica aquela efervescência europeia do começo dos anos 1960: liberdade sexual, sensual, musical, de costumes, com Vittorio Gassman de peito nu quase o filme todo, bebendo, fumando, dançando, jogando, se divertindo, como se não houvesse amanhã (e não havia), como pai de Spaak.
Em “Aquele Que Sabe Viver”, Catherine tinha 17 anos, mas já engatinhava os mesmos passos de sua bela equiparação francesa Françoise Hardy, a cantora da juventude (ela é de 1944). Catherine acabou sendo a resposta italiana a Hardy, que ao contrário de Spaak não vinha de uma família abastada e descobriu a música pela voz de Elvis Presley e Paul Anka.
Numa época em que ter 15 anos fazia da mulher um objeto de desejo, vender Hardy não foi difícil. Ela tinha 18 anos quando lançou “Tous Les Garçons Et Les Filles”, um dos seus grandes sucessos, e se tornou um dos grandes nomes da música jovem francesa de todos os tempos, com vários hits e regravações por outros artistas – seu disco mais recente é de 2018, mas hoje, com 78 anos, luta pelo direito de morrer via suicídio assistido, já que tem câncer avançado.
O sucesso de Hardy fez a caixa registradora dos espertos italianos buscar uma rival à altura (na beleza, na voz e na isca pros bolsos dos moleques com espinhas na cara e dos marmanjos babões). Esse nome era Catherine Spaak.
Tinha algo nela que não era só beleza e um nome de família importante. No set de “Um Pedaço De Mau Caminho”, Spaak conheceu Fabrizio Capucci, de quem se apaixonou e engravidou. Ela tinha apenas 17 anos e teve que se casar com Capucci, seis anos mais velho que ela. Quando Sabrina nasceu, Spaak fugiu com a menina. Acabou presa, a Justiça lhe tirou a guarda e Sabrina ficou com a mãe de Capucci. Catherine acabou ganhando mais fama. Agora, não era mais só bela e “francesamente” charmosa. Era rebelde também. Pra aqueles ouvidos jovens dos anos 1960, era um bom tempero – que lhe ajudou na carreira musical e na cinematográfica (ela fez mais de cinquenta filmes, incluindo “O Incrível Exército Brancaleone”/”L’Armata Brancaleone”, de 1966, de Mario Monicelli; e um período em Hollywood, onde não se adaptou).
Foi sob a orientação de Gino Paoli, que escreveu pra sua estreia em disco “Perdono” e “Tu E Io”, mostrando que sua voz era tão bela quanto seu rosto, que a provocante ninfeta do cinema se tornou a resposta na música ao yé-yé francês, gravando canções de sucesso diretamente ao coração dos jovens italianos.
E foi levada tão a sério que Ezio Leoni, um dos capitães da chamada “musica leggera” italiana, o nascedouro da música pop do país, trabalhou com ela (e com Hardy) e apostou nela.
Foi nessa época que conseguiu o primeiro contrato com a Dischi Recordi.
Seus primeiros discos de quarenta e cinco rotações incluem “Mi Fai Paura”, “Quelli Della Mia Età”, a versão de “Tous Les Garçons Et Les Filles”, de Hardy, e, claro, “L’Esercito Del Surf” (também chamada de “Noi Siamo I Giovani”, ou “nós somos os jovens”).
“L’Esercito Del Surf” foi escrita por Iller Pattacini, arranjador e saxofonista, que chegou a gravar clássicos brasileiros, em “Sambalândia” (de 1973), e Giulio “Mogol” Rapetti, letrista e diretor da Dischi Ricordi. Era uma peça obviamente caça-níqueis pra aproveitar justamente a aura que o filme “Aquele Que Sabe Viver” procura passar. E funcionou como poucas faixas no mundo, chegando a ser traduzido pra idiomas variados, inclusive o português, com a versão de Wanderléa “Exército Do Surf” – igualmente conhecida como “Nós Somos Jovens”.
Com a faixa, Spaak chegou aos programas familiares italianos de sábado à noite, ampliando ainda mais seu alcance nacional.
O sucesso de “L’Esercito Del Surf” foi só uma pequena parte de sua longa carreira artística. Quando morreu, em 17 de abril de 2022, após derrames e derrames no cérebro, Catherine Spaak foi lembrada em dezenas de obituários que destacam principalmente a carreira cinematográfica, televisiva e sua elegância e influência na cultura popular, inclusive na moda. A voz e a carreira musical são apenas um trecho paralelo, quase uma nota de rodapé.
Mas ela era a pessoa certa na hora certa em quase tudo o que participou e isso vale pra música. Quando se vê as crianças e os vovôs rebolando ao som da “musica leggera”, em “Aquele Que Sabre Viver”, entende-se o momento, o cenário. Catherine Spaak foi uma das fagulhas pra essa explosão de liberdade.
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