REVISITANDO: RAY CHARLES – IN THE HEAT OF THE NIGHT (1967)

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Sim, essa é a música-tema do filmaço de Norman Jewison, “In The Heat Of The Night”, de 1967, que recebeu o título em português de “No Calor Da Noite” e ganhou cinco Oscar naquela temporada, incluindo de melhor filme do ano.

Pra quem não ligou o nome à pessoa, “No Calor Da Noite”, é aquele filme que mostra um policial preto, especialista em homicídios (vivido de maneira acachapante por Sidney Poitier), numa cidade racista do sul dos Esteites, tendo que ajudar um bando de caipira branquelo a desvendar um crime importante pra comunidade. Preconceito exalando a cada cena e lá está Poitier desferindo bofetadas e inteligência contra a ignorância local.

Mas no começo, durante os créditos, Ray Charles, com composição de ninguém menos que Quincy Jones, que assina a trilha, manda o vozeirão pra defender o tema. As letras são do casal (branco) Andy e Marilyn Bergman – o casal ganhou três Oscar de melhor canção e possui outras dez indicações.

A despeito do clássico do cinema, “In The Heat Of The Night” tem uma outra versão, a do single, mas longa (3:21), que é diferente do que se ouve na película. A diferença entre uma e outra é uma introdução de quarenta e cinco segundos, que não aparece na trilha do filme.

E é uma introdução que faz toda a diferença, com aqueles sopros lamuriosos, suados, arrastados, como se tocar com o bafo quente do verão aumentasse o esforço e o sofrimento. Faria diferença no filme, com personagens tomando refrescos, suando, reclamando do calor – aliás, o calor é um dos pontos importante da história, que serve, inclusive, pra personagem de Poitier (olha o spoiler!) decifrar o enigma.

A descrição de um um fã-clube de Ray Charles dá uma ideia do que é a música: “a gravação que aparece no LP da trilha sonora completa é mais curta que a do single, com apenas 2:30. Começa com Ray cantando, e apresenta os Raelets arrulhando friamente por todo lado; as senhoras ocasionalmente cantam a linha do título também. A música é densa e inundada em uma espécie de gospel grudento e desconfortável. O desempenho rodopiante faz com que pareça uma noite quente; há problemas ao redor e será quase impossível se libertar disso”, o que é uma descrição perfeita sobre a encrenca que o personagem de Poitier se enfiou.

“O canto de Ray é doloroso e sincero – em uma palavra, requintado”, define o fã-clube, pra então entregar uma experimentação que Ray Charles estava fazendo em sua carreira: “ele ocasionalmente permite que sua voz deslize pra um falsete por algumas palavras. Era uma técnica que ele estava experimentando com bastante entusiasmo em 1967 (confira várias faixas do álbum ‘Listen’ daquele ano). Aqui, o efeito falsete é usado com moderação e, portanto, comovente e eficaz. Com frases como ‘parece um suor frio varrendo minha testa’ e ‘estrelas com olhos malvados miram dos céus toda a maldade e brilho’, nada menos do que a voz notável e emocional de Ray faria”.

Sobre essa última frase especificamente, Marilyn Bergman contou certa vez que o original era “Stars with evil eyes stare from the skys all mean and bright” foi originalmente escrita como “mean and white”. “Nos pediram pra mudar e relutantemente mudamos. Não era exatamente a mesma coisa. Isso não aconteceria hoje. Partiu nossos corações por um tempo”.

O fã-clube ainda encerra: “no final Charles nos assegura – porque, qual é a alternativa à esperança? – que ‘deve haver um fim pra tudo; calma, não vai demorar. Apenas seja forte e tudo ficará bem no calor da noite'”. São muitos sentimentos, tudo em uma música de três minutos.

Quando se une dois caras como Charles e Jones numa empreitada como essa, a assertividade é batata.

Ambas as versões de “In The Heat Of The Night” são espetaculares, cheias de drama e expressão, desespero e esperança, um retrato de uma época em que ser racista dava bastante orgulho àquelas pessoas (bem, hoje em dia tem imbecil que ainda tem orgulho disso), tudo muito nefasto, sombrio e desalentador. As lamúrias dos sopros não são à toa.

A versão dos créditos do filme:

A versão longa:

O single tem algumas versões com diferentes lado B, dependendo do país em que foi lançado. Na Itália, por exemplo, tinha a versão de “Yesterday”, de John Lennon e Paul McCartney; na França, “Here We Go Again”, de Donnie Henson Lanier e Russell Steagall.

Na contracapa da trilha sonora oficial do filme, o próprio Jewison escreve que “este é um filme que precisava de uma trilha natal daquele Mississipi, um clima autêntico, sulista, funky. O filme trata de uma relação profunda entre dois homens – um deles negro, o outro branco. Pra encontrar o som certo, recorremos a um dos jovens compositores de destaque na trilha sonora de hoje, Quincy Jones. O talento que marcou ‘The Pawnbroker’ (“O Homem Do Prego”, 1964, a primeira trilha dele pro cinema, sobre a qual já falamos aqui), Mirage (“Miragem”, 1965), ‘Walk Don’t Run’ (“Devagar, Não Corra”, 1966), ‘The Deadly Affair’ (“Chamada Para Um Morto”, ótimo suspense de 1967) e ‘Enter Laughing’ (a estreia na direção de Carl Reiner, em 1967)”.

Segundo Jewison, “Quincy sentiu que o clima apresentado no filme precisava de um tema dominante de blues. Um blues que clamaria com a verdade que vem da compreensão daquela realidade. Então, nos voltamos pra Ray Charles. Ninguém canta o blues como Ray. Em lugar algum. Ray e Quincy têm uma longa associação e uma amizade próxima. Já Alan e Marilyn Bergman acrescentaram a próxima dimensão a esta partitura incomum. Eles não apenas escreveram as palavras inspiradoras pro tema principal, mas também as letras de outras três músicas de origem necessárias pro filme”.

Jewison estava empolgado com o acerto de suas escolhas. Tanto que o filme ainda inclui “Mama Caleba’s Blues”, em homenagem a outra personagem marcante da trama, interpretada apenas ao piano por Ray Charles. É um blues ainda mais choroso do que o tema principal.

Apesar do sucesso de crítica (o filme é hoje uma das grandes obras do cinema mundial), o single lançado pela ABC Records não está entre os mais vendidos de Ray Charles – e, convenhamos, a concorrência é enorme. Mesmo assim, a música alcançou o trigésimo terceiro posto na parada Billboard Hot 100 e o vigésimo primeiro na parada específica de blues no país.

Você pode ouvir a trilha completa do filme aqui:

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