O nome da banda já indicava sua tendência ideológica: UB40 vem de “Unemployment Benefit, Form 40”, o formulário que desempregados preenchiam pra requerer benefício do governo. Da multirracial e multicultural junção de brancos e negros descendentes ou nascidos na Inglaterra, Escócia, Iêmen, Jamaica e Irlanda surgiu o grupo que, afinal, se apropriava de sons que não tinham nada de ingleses e que vinham de territórios onde o imperialismo inglês se fez presente, levando dor, morte, destruição e, pra não dizer que não falei das flores, um estilo de vida.
O UB40 não era a única banda comandada por branquelos a fazer dos sons jamaicanos um sucesso. Durante o estouro punk, a cena 2-Tone/ska já era forte a ponto de influenciar até mesmo o The Clash. Mas o UB40 fez uma carreira significativa, com muitos álbuns (o mais recente é “For The Many”, o décimo-segundo, lançado em 2019) e sucessos, não sendo “só mais um inglês a se apropriar de outras culturas”. A preocupação social do grupo esteve presente em muitas passagens.
Assim como os conterrâneos e contemporâneos The Specials, que lançaram o já clássico “Free Nelson Mandela” (leia mais aqui), os olhos do UB40 também se voltaram pra África, mais diretamente pros abusos do apartheid, na África do Sul.
Em 1986, já com seis discos no currículo, o UB40 apresenta “Rat In The Kitchen”, que teria na faixa-título e na de encerramento seus grandes trunfos (além, claro, de “All I Want To Do” e “Don’t Blame Me”). A de encerramento era um grito de liberdade pela África do Sul. “Sing Our Own Song” clamava por liberdade e poder ao povo.
A letra trazia um refrão forte, direto e apoteótico: “We will fight for the right to be free / We will build our own society / And we will sing, we will sing / We will sing our own song”. É curioso, porque os sul-africanos falam o inglês imperialista e os irmãos Robin e Ali Campbell, fundadores do grupo, dizem que “vamos cantar nossas próprias canções”… em inglês (e não em africâner, ndebele, suázi, xhosa ou zulu). A favor do UB40 são os versos finais, onde Ruby Turner e Jaki Graham, duas poderosas vozes de sucesso britânicas, ecoam “Amandla! Awethu!”, que quer dizer “poder é nosso”, em zulu.
A despeito disso, a mensagem não deixava dúvidas: a banda estava disposta a cantar contra o apartheid. “The great flood of tears that we’ve cried / For our brothers and sisters who’ve died / Over four hundred years / Has washed away our fears / And strengthened our pride / Now we turn back the tide” são também versos de ingleses fazendo uma autocrítica.
“And you’ll feel the shame / For what you do in gods name” vai direto num dos argumentos mais sinistros que os brancos usavam pra segregar: isso é coisa de deus (e serve pra nossos tempos bem atuais).
Deu certo. Incomodou. A South African Broadcasting Corporation (SABC), a única emissora de rádio local na época, formou um comitê conhecido como Comitê de Aceitação de Discos, pra avaliar as letras antes que elas pudessem ser executadas. A censura se fazia presente, como ferramenta primordial pra sustentar esse sistema. Era esse comitê que decidia o que era aceitável pra SABC (ou seja, pro governo) e, portanto, pro público. “Sing Our Own Song” foi censurada.
A canção não era a primeira nem única empreitada de protesto dos irmãos Campbell. No ano anterior, por exemplo, o UB40 se uniu ao Specials, ao Madness e ao General Public pra gravar “Starvation”, um single-cover dos Pioneers, e angariar fundos contra a fome na Etiópia.
“Sing Our Own Song” foi um sucesso, atingindo o quinto lugar nas paradas britânicas de singles, mesmo tendo mais de sete minutos de duração.
Uma curiosidade é que na capa do single, a canção saiu com o título “Ou Own Song”, sem o “Sing”.
Robin Campbell disse, certa vez, sobre a música: “(…) se você me pedisse pra citar minha música favorita dentre as que eu escrevi, seria ‘Sing Our Own Song’. Porque era sobre a África do Sul, enquanto o apartheid ainda estava acontecendo e Mandela ainda estava na prisão. Nós acabamos indo pra África do Sul logo que o apartheid foi banido, e tocamos três noites, pra setenta mil pessoas a cada noite – que ainda é o recorde na África do Sul. E ir até lá e tocar todo esse povo e fazer com que ele cante música conosco… essa foi uma das coisas mais emocionantes que já aconteceu comigo”.
Aqui, na versão que saiu em “Rat In The Kitchen”:
Uma outra versão famosa foi a que saiu no álbum ao vivo “UB40 CCCP: Live In Moscow”, de 1987, que dá uma certa dimensão do impacto da música, com o coro da plateia sendo levado pelo baixo lamurioso:
Lado A
1. Sing Our Own Song
Lado B
2. Sing Our Own Song (edit)