Esse é talvez o disco mais famoso do que se acostumou chamar de “zamrock” (ou “rock da Zâmbia”), um gênero que mistura a psicodelia setentista com boas doses de funk e algumas poucas batidas “africanas”. “Lazy Bone!!” foi lançado em 1975 e é a mais “ocidentalizada” das obras do estilo: acessível e com sonoridade bem situada no tempo-espaço da cronologia do rock.
A importância do zamrock é mais social do que musical – embora ambos aspectos se integrem, por certo. É que o estilo surgiu num momento importante pro país. A Zâmbia independente nasceu das cinzas da Rodésia do Norte, em 24 de outubro de 1964, quando se desligou da metrópole Grã-Bretanha, e colocou no poder o primeiro presidente do país, Kenneth David Kaunda.
Kaunda era um discípulo das práticas de não-violência ensinadas por Ghandi e manteve-se no poder de 1964 até 1991, em seguidas reeleições, apesar da pouca habilidade com as finanças do país, equalizada com a grande habilidade diplomática pra resolver problemas de disputadas políticas e econômicas internas. Além disso, era um entusiasta das artes, da música em especial, e criou diversos programas de estímulo à produção artística. Era uma maneira de um país encravado no meio da África, sem saída pro mar, isolado economicamente por outros países ainda colônias, pobres e racistas (como a Rodésia do Sul, hoje Zimbábue) e quebrado pela queda do preço do cobre, seu principal produto, respirar e reforçar sua recém-conquistada independência, com nacionalismo e patriotismo.
Se a juventude do país precisava gritar sua identidade ao mundo, a linguagem escolhida foi o rock. Muito graças às ondas transmitidas pela Zambia Broadcasting Service (ZBS), rádio criada nesse período.
Kaunda fez uma lei que obrigava que 95% das músicas veiculadas na rádio deveria ser de origem zambiana – ou feita por artistas nascidos no país. Queria estimular a cultura local através dos sons. Mas acabou criando um “efeito colateral” inesperado: o zamrock.
No início da década de 1970, a Zâmbia, ainda sem uma década completa de independência, enfrentava muitos problemas e disputadas políticas internas, só que a situação se deteriorou por conta da grave crise econômica que veio com a (mais uma) derrocada internacional do petróleo e do cobre. O racismo de uma minoria branca (5% da população) também era gritante sobre a maioria negra. Os atritos sociais aliados à recepção via ZBS dos sons elétricos da luta dos negros nos Esteites e daquela música cheia de guitarras e peso acabaram criando a equação perfeita.
Surgiram artistas como Musi-O-Tunya, The Peace, Ngozi Family, Mike Nyoni, Harry Mwale Experience, Greg Miyanda, Teddy Chisi (do The Peace), Chrissy Zebby Tembo, o onipresente Rikki Ililonga e, claro, WITCH (que quer dizer “We Intend To Cause Havoc”, ou “queremos causar estragos”). Todos eles falando sobre problemas dos trabalhadores, racismo, injustiças, poder do povo negro etc.
A WITCH era formada por Emmanuel “Jagari” Chanda (vocal, maracas), Gedeon “Giddy King” Mwamulenga (baixo), John “Music” Muma (guitarra e vocal), Chris “Kims” Mbewe (guitarra, violão e vocal) e Boyd “Star MacBoyd” Sinkala (bateria).
O grupo lançou sete discos na sua carreira. O primeiro foi “Introduction”, de 1974; o último, “Kuomboka”, de 1984. “Lazy Bones!!” foi o terceiro, o primeiro pelo selo Zambezi, em 1975, no auge do zamrock.
A obra foi gravada na capital do país, Lusaka, no d.B. Studios, com produção, composição e arranjos da própria banda. São dez canções no total. A imprensa europeia aponta uma mistura da psicodelia de Jimi Hendrix com o balanço sexy de James Brown. Há, pois, uma rudeza hard rock que une tudo: guitarras sujas e uma bateria crua (“Tooth Factory” é um bom exemplo, bem como “Black Tears”).
Pra apimentar tudo, o kalindula, uma espécie de contrabaixo muito popular na Zâmbia, que deu nome ao ritmo peculiar que se ouve na maioria das obras do período no país.
Ouça na íntegra:
Na capa do disco, há o aviso ao ouvinte: “se você está deprê, perturbado, irritado, fora-dos-eixos, triste, frustrado ou descontroladamente demente, então, amigo, sugerimos que procure um lugar calmo, entre em meditação e acabe com essa dor de cabeça, ouvindo esse álbum (colocamos as letras num encarte pra aqueles que têm dificuldade de compreender as mensagens que as músicas transmitem, isso pode ajudar a mergulhar de cabeça no disco)”.
É um posicionamento bem anos 1970: o artista deve mandar uma mensagem e você pode elevar a mente com meditação e afins. A música funciona com aditivos, é claro.
O que ajudou “Lazy Bones!!” e o zamrock a agradar os ouvidos ocidentais foi a grande sintonia com a música produzida no período e que fazia a cabeça da juventude nos anos 1970, além do fato da língua oficial da Zâmbia ser o inglês. As mensagens – som e poesia – ficam mais compreensíveis ao mercadão.
Mas isso não impediu que o zamrock implodisse no final da década, graças ao agravamento da crise econômica, social (pelo desemprego) e política (sempre uma variável). Muitos músicos perderam o emprego e passaram dificuldades.
No novo século, o zamrock ganhou um documentário feito pelo diretor sul-africano Calum MacNaughton (veja o projeto clicando aqui). Dois dos grandes nomes do estilo, Jagari Chanda e Rikki Ililonga, participam do filme.
Muitos desses artistas ainda estão em atividade hoje. E tais obras, elas continuam bastante interessantes, reflexo não só de uma época da música, mas do nascimento de um país.
LADO A
1. Black Tears
2. Motherless Child
3. Tooth Factory
4. Strange Dream
5. Look Out
LADO B
1. Havoc
2. October Night
3. Off Ma Boots
4. Lazy Bones
5. Little Clown