Em trinta anos de carreira, parece meio óbvio que uma banda como o Sonic Youth teria uma infinidade de sobras de estúdio, jams com experimentações, materiais inacabados, descartes, versões de outros artistas e tudo o mais. Quem viu um único show da banda, sabe que ela podia ficar intermináveis minutos fritando a cabeça da audiência – e azar da mente não estar preparada.
Discos igualmente contêm pistas do que deve ter sido o caminho pra chegar naquelas músicas. Distorções, pedais, solos nada-a-ver, ruídos, ideias de canções ou só passatempo, tudo pode virar música ou uma música a la Sonic Youth. As gravações ao vivo e raridades já constam com fartura no Bandcamp do grupo, é só passear por lá e se divertir. “In/Out/In” é uma amostra disso, embora caminhe por um circuito um pouco diferente.
São sobras de gravações que abraçam a primeira década do atual século, de 2000 a 2010, e ganharam um certo cuidado que bootlegs costumam não ter (e muitas vezes propositadamente). É como um disco “oficial” do Sonic Youth, embora não seja, mesmo tendo aval e benção de todos.
São gravações cruas, sem muitos “acertos” de produção ou pós-produção. O ouvinte como uma mosquinha na sala de ensaios do quarteto, vendo e apreciando o processo criativo desses geniais malucos-calmos das guitarras barulhentas.
No começo, uma faixa lá de 2008, “Basement Contender”, um troço meio Velvet Underground, que poderia ser sobra de “White Light/White Heat” (o elogia aqui é pra quem?).
Depois, a faixa-título, como bem descrita, “lembra discretamente Can numa caverna com estalactites pingando as palavras de Kim Gordon (provavelmente em transe) e foi gravada em uma passagem de som em Pomona, Califórnia, e em sua casa Hoboken, em 2010”.
Gordon, aliás, é aquela pessoa que beira os setenta anos (é de 1953, então faz sessenta e nove anos em 2022, data do lançamento do disquinho) e é mais jovem que 99% dos jovens que o leitor pode conhecer, incluindo aqueles que se acham revolucionariamente contra qualquer sistema. Coitados.
“Machine” é o Sonic Youth explodindo alto suas guitarras (parecem umas oitocentas, com três mil pedais, todos ligados), tirada das sessões de gravação do “The Eternal”, de 2009, com o Sonic Youth como um quinteto: Kim Gordon (vocal e guitarra), Thruston Moore (vocal e guitarra), Lee Ranaldo (vocal e guitarra), Steve Shelley (bateria) e Mark Ibold (baixo), no lugar de Jim O’Rourke.
Jim O’Rourke que, aliás, faz de “Out & In” sua assinatura de influência. A faixa de mais de doze minutos é de 2000 e foi captada em seu estúdio no centro de Nova Iorque e tira da banda um tanto da fase mais sem noção (total no bom sentido) do grupo. “Uma estrutura de acordes de mudança de tempo mais suave irrompe em fúria derretida três minutos depois, antes de se transformar no equivalente sônico de uma estrela em colapso lento”, diz a apresentação oficial do disco e faz bastante sentido.
Por fim, “Social Static”, também com Rourke, uma cavernosa e lisérgica doideira do curta-metragem de mesmo nome, lançado em 2000 e dirigido por Chris Habib e Spencer Tunick, um climão que dura toda a metragem da película.
Aqui um trecho do filminho:
“In/Out/In” não é um resumo do que é o Sonic Youth simplesmente porque isso não existe. É um recorte,. Mais do que isso, é uma amostra de como essa banda dava de ombros pro que crítica e público achava dela. Tá mais pra saudades dos shows do que pra um símbolo da própria obra – essa, afinal, tá aí disponível e bem disponível pra quem quiser. E eis uma banda que dá saudades.
Ouça aqui na íntegra:
A obra foi lançada em 18 de março de 2022, pelas mãos da Three Lobed Recordings, que se descreve como uma “boutique especializada em todos os sabores da psicodelia. O selo foi iniciado em 2000 e é amplamente operado por gatos”.
1. Basement Contender
2. In & Out
3. Machine
4. Social Static
5. Out & In