SUCESSO PRA MADONNA

Marketing é isso aí. Madonna andou perambulando pelo Brasil desde novembro de 2009 pra arrecadar uma grana pra sua ONG Sucess For Kids. A sacolinha encheu – de dinheiro e de promessas – em dez milhões de doletas. Dez milhões! De dólares!

O empresariado brasileiro, que não é bobo, nem nada, anunciou que ia dar o dinheiro, apareceu nas fotos, ganhou manchetes em quase todos os jornais, saiu na TV, “gerou mídia”, como se acostumou dizer ultimamente, mas na hora do vamos-ver deu muito pouco. Madonna e sua ONG, por sua vez, entregam menos ainda, ao que parece.

Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo, fez uma bela matéria, tentando ouvir todas as partes envolvidas, e o resultado é um tanto frustrante e assustador: as crianças e as entidades assistenciais que se danem! O negócio é fazer marketing!

Nada contra o marketing, eu mesmo ganho dinheiro assim, mas tudo tem um propósito, e no caso das crianças, do marketing social, é ajudar de fato quem necessita e não apenas lucrar com exposição da marca. Parece óbvio, mas nessa história da Madonna, não é.

A matéria de Bergamo abre com uma foto da cantora e do presidente da AmBev (mais o brilhante gari-passista que virou garoto-propaganda da Brahma) segurando um checão de um milhão de dólares. Madonna veste uma camisa da cervejaria:  “‘Hello… Ir ao camarote da Brahma no Carnaval? Yeah, se vocês doarem US$ 1 milhão para os meus projetos sociais, eu passo duas horas lá. Bye, bye!’ Era a cantora Madonna ao celular, na linha com um representante da AmBev, em conversa ouvida por empresários de SP que estavam com ela para negociar apoio à ONG Success for Kids (SFK, sucesso para crianças), na semana passada”.

A jornalista pergunta: “Apagados os holofotes dos encontros, as quantias em dinheiro já foram depositadas? Em que conta? E como serão usadas? Em benefício de quem?”. A diretora do SFK no Brasil foi procurada pelo jornal pra se explicar, pra tentar esclarecer essas dúvidas e disse estar ocupada demais pra falar do assunto. Ah, tá.

A verdade é que a maior parte das entidades assistenciais visitadas por Madonna enquanto esteve no Brasil não recebeu um tostão da ONG e diz que a SFK joga mais contra do que a favor: “Madonna conheceu as alunas atendidas pela ONG Lua Nova, de Araçoiaba da Serra (SP), mas ‘nunca deu um tostão e nem tem previsão de dar’, diz a fundadora Raquel Barros. Para assistir às aulas na capital, uma das turmas teve de viajar com transporte pago por empresários que ajudam a Lua Nova. Raquel diz que pretende discutir com a SFK como se dará esse novo apoio. ‘Se vai apoiar, quero que fique claro como será. Vivemos de captação de recursos e fica difícil conseguir dinheiro quando dizem que a Madonna já está ajudando’, pondera”.

E mais: “O projeto Energia Olímpica, do Morro dos Cabritos, no Rio, cujas crianças se apresentaram para Madonna no hotel Fasano, já recebeu o curso ‘As Regras do Jogo da Vida’, mas diz que nunca foi ‘ajudado’ pela organização. ‘Quando falam que o nosso projeto é da SFK, é um abalo para a relação com os nossos apoiadores de fato’, afirma o coordenador Marcelo Sauaia”.

O fundador do Meninos do Morumbi, entidade já mundialmente conhecida, define bem a parada: “Parece que todo rico e famoso tem que fazer o bem por uma questão de marketing. Ajudar as pessoas é um trabalho muito mais profundo e difícil. As pessoas não podem oferecer o resto. A Madonna ajudaria mais com uma escola de música e dança. Como o Pelé faria se criasse uma escolinha de futebol”.

Mas Madonna serve apenas como cabide pra espertalhões, se elea mesma não for uma espertalhona. Não vou fazer juízo da cidadã, mas ela não ajuda muito nesse quesito.

O empresário brasileiro, como eu disse, descolado com esse tipo de coisa, pendurou-se no cabide e fez das suas. “O banqueiro Luis Octavio Indio da Costa prometeu US$ 1 milhão (cerca de R$ 1,8 milhão) em nome de seu banco, o Cruzeiro do Sul. Vai dar a quantia em 24 parcelas de US$ 41,6 mil (cerca de R$ 76 mil), porque ‘evidentemente, a gente quer ver como esse dinheiro é aplicado’. E acertou com Madonna que será um ‘arrecadador informal’ da SFK junto aos amigos endinheirados de SP”.

Tem ainda a famosa doação do Eike Batista, o “bilionário brasileiro”: “A EBX, empresa de Eike, diz que, dos US$ 7 milhões (cerca de R$ 12,8 milhões) anunciados, ‘US$ 500 mil serão doados em cash (dinheiro vivo)’. ‘Serão’, no futuro. E os outros US$ 6,5 milhões? A empresa diz que a SFK receberá o montante ‘de acordo com o atingimento de metas’ de seus programas sociais (…)”.

Até o Governo de São Paulo, em ano de eleição, que recebeu a cantora com estrutura e aparato de chefe de estado, agora diz que precisa “examinar qual é o conteúdo do programa. Se houver algum tipo de proselitismo religioso, aí temos que estudar o assunto com mais cuidado”.

Isso tudo não ganha manchete nem releases. Se você for assinante da Folha ou do UOL, leia a matéria completa aqui. Esse tipo de jornalismo faz falta hoje em dia. Assim como um pouco de vergonha na cara.

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