TAMINO, O HERDEIRO DE JEFF BUCKLEY E THOM YORKE?

Poucas vozes fazem você parar pra ouvir suas músicas. Pra alguns, só acontece uma ou duas vezes na vida, ouvir algo com um poder imediato e visceral tão singular que parece de outro mundo. Tamino é uma dessas vozes.

Ele nasceu em 24 de outubro de 1996, na Bélgica, e ganhou o nome de Tamino Moharam Fouad, em homenagem ao personagem de “A Flauta Mágica”, de Mozart. Descende de egípcios e libaneses. Ele é incrivelmente bonito, as mulheres se derretem com seu olhar misterioso e possui uma inteligência, articulação e compreensão sobre música que desafiam sua idade.

Todo músico pop treinado de maneira clássica percorreu um caminho que começou com a ortodoxia musical, disciplina, estrutura e realização, e então, no abraçar das tradições muito menos formais, mas ainda consagradas pelo tempo, envolveu tanto um desaprendizado – a melhor música pop certamente deveria ser, e é, sobre quebrar regras e não se apegar a elas – e uma fidelidade aos sons e texturas nos quais imergiram quando crianças e adolescentes. Artistas como St. Vincent, Joanna Newsom, os irmãos Dessner do The National, Matt Bellamy, Agnes Obel, James Blake, Susanne Sundfor, Jeff Buckley e Julia Holter conseguiram essa transição sem problemas: foram pro “outro lado”, e uma vez ali estabeleceram reputações célebres. Crucialmente, ao fazê-lo, eles mantiveram, também, um controle firme sobre as bases musicais que primeiro os levaram a dedicar suas vidas à criatividade. Tamino é um desses.

Seu single de estreia, aos vinte e um anos, é uma canção de poder surpreendente, visceral, ampliada pela sua voz especialmente bela e sofrida. “Habibi” foi jogado no mercado em 5 de fevereiro de 2017 e impressiona pela força na estreia. Quem para e ouve, realmente para e ouve, deixando tudo o mais de lado. É como se o cantor tivesse chegado, do nada, totalmente formado, preparado, pronto pra arrebatar corações e vidas. “Habibi” (árabe pra “meu amor” ou “amado”) é uma daquelas canções que zombam de questões de época e gênero. Apropriadamente, de um músico cuja educação e transnacionalidade eludem questões estreitas de proveniência e escaninhos, é ao mesmo tempo antiga e moderna. Tem um tanto da poesia de Nick Cave, expurgada do coração. Musicalmente, é, como hoje em dia, pop, sem classificação, gloriosamente impermeável a considerações de estilo, moda e comércio. Nesse sentido, é totalmente “agora”. Ao mesmo tempo, há algo de outro mundo, tão individualista e desafiador, sobre as composições de Tamino, sua voz de oitava e falsete etéreo que tentar categorizá-las, ou a ele, rapidamente parece bobagem.

O single teve boa execução na Bélgica, chegando a uma boa carreira também em outras partes da Europa, especialmente na Inglaterra, basicamente porque não soa como nada parecido hoje em dia na música pop. Antes mesmo de ele fazer um show sequer no Reino Unido, as gravadoras imploravam pra conquistá-lo.

Roisin O’Connor, do Independent, falou com Tamino, quando do lançamento do seu espantoso disco de estreia, “Amir”, em 19 de outubro de 2018. “Pessoas já me disseram que amam meu falsete”, ele diz, referindo-se a uma nota particularmente obscena sobre “Habibi”, que causa suspiros audíveis dos membros da plateia quando ele a apresenta ao vivo. “Eles perguntam por que eu não uso isso com mais frequência. Mas eu não quero que seja como um truque ou alguma coisa acrobática. Eu realmente tenho que evitar que se torne isso. Se fora pra cantar assim, então eu canto desse jeito; caso contrário, não”.

No YouTube, o áudio oficial pra “Habibi” chegou a mais de um milhão de impressões, com a voz de Tamino trazendo comparações com Jeff Buckley, Thom Yorke (a voz muitas vezes lembra Yorke) e Matt Bellamy. Não é um trio ruim pra ser comparado.

“Amir” apresenta uma orquestra, Nagham Zikrayat – muitos dos quais são refugiados do Iraque e da Síria. Eles primeiro procuraram Tamino pra perguntar se ele queria cantar as canções de seu falecido avô, o famoso cantor e ator egípcio Muharram Fouad (nascido Moharam Fouad).

Fouad, que morreu em 2002, ficou conhecido como “A Voz Do Nilo”, nasceu no Cairo, em 1934, e virou cantor e estrela de cinema (aqui sua página no IMDB, infelizmente incompleta). O lado de seu pai da família é musicalmente talentoso, diz Tamino ao Independent, mas foi seu avô que alcançou a fama nos anos 1960 durante a era de ouro do cinema egípcio. No palco, Tamino costuma tocar o dobro (espécie de violão) de seu avô, presenteado a ele depois que descobriu num armário durante uma visita a sua avó.

É apropriado que o nome da orquestra, Nagham Zikrayat, signifique “nostalgia musical” em árabe: a música de Tamino baseia-se na paixão pelo velho mundo da música de seu avô, mas também incorpora a qualidade do pop moderno. A herança musical que é tão essencial pro seu som ganha vida na instrumentação dramática e arrebatadora de uma música como “So It Goes”; assombrações, violinos graciosos, batidas de bateria ousadas e o brilho de um tamborim transportam o ouvinte por completo.

“Se fosse uma orquestra ocidental, teríamos que adicionar todos os detalhes na partitura, ou ficaria seco, sem vida”, diz Tamino. “Eu queria recriar a Firka – a tradicional orquestra árabe da época de ouro, onde eles realmente acompanhavam o cantor”.

As inflexões tonais na instrumentação combinam com as que você ouve na própria voz de Tamino – as notas de um quarto em árabe que escorregaram sem que ele percebesse quando praticava. Ele estudou no Conservatório Real de Amsterdã, aos dezessete anos, brincando que era “terrível” antes de aprender a usar exercícios respiratórios adequados. No entanto, ele sempre cantou essencialmente da mesma maneira.

“Fico lisonjeado quando as pessoas me comparam a artistas que admiro”, diz. “Mas eu nunca ouvi conselho de alguém e pensei: ‘é isso que quero fazer’. Conheci muitas dessas bandas quando era adolescente: Radiohead, Nirvana, Tom Waits, Leonard Cohen e Beatles. Compor é algo que você tem que aprender. Mas cantar, pra mim, vem de um lugar muito diferente.”

“Amir” chegou pouco depois que os EPs “Habibi” e “Tamino” surgiram, em 2017 e 2018, ambos via Unday Records. À Bill Robinson, da revista HHHappy, ele disse: “gravamos os EPs e o disco na mesma sessão de estúdio. Os mesmos produtores, os mesmos elementos. Há canções que estão nos EPs e também no disco. Pra mim, não há diferença. Escrevo um punhado de canções e decidimos quais devem ser gravadas e entrar no disco. É um processo bem natural, orgânico”. Ele fala como um veterano, em todos os aspectos, inclusive nos lugares-comuns.

“Se não me engano, comecei a escrever músicas quando tinha quatorze anos… Mas eu estava tocando principalmente em bandas. Então, quando tinha dezessete anos, terminei o ensino médio, mudei-me pra Amsterdã e estudei música. Então, talvez a partir daquele momento, passei muito tempo sozinho em Amsterdã escrevendo muitas músicas e tocando sob meu próprio nome, Tamino. Daí, talvez a partir daquele momento, eu tenha escrito muitas músicas, e ao tocá-las ao vivo sabia quais me deixavam mais confortável…”, resume.

“Muitos cantores e compositores descobriram que, se gravassem o álbum em uma pequena sala com uma guitarra de merda e um copo de uísque, poderiam cantar sobre o quanto a vida deles é uma merda… Pra mim, mesmo que haja muita tristeza nas minhas músicas, eu queria que fosse tristeza com uma grandeza, sabe? Eu vejo muito isso na música árabe. Elas arrancam seu coração. Elas cantam sobre muitas coisas tristes, cantam sobre mágoa, mas sempre fazem isso com com orgulho”, dando a principal diferença entre ele e as referências que os críticos ligam pra identificar sua música, como no título deste artigo. Porque definitivamente Tamino não carrega as mesmas angústias e sofrimentos que atormentam tanto o falecido Buckley quanto a superestrela Yorke.

Contribuindo com um estilo de performance mais moderno no álbum está o baixista do Radiohead, Colin Greenwood, que foi apresentado a Tamino através de um amigo em comum, que o levou a um concerto na Antuérpia, Bélgica. “Ele veio depois do show com meu vinil e também um CD, e foi muito gentil”, diz Tamino com uma risada nervosa; seu comportamento gracioso desliza por um momento pra revelar uma reverência adolescente, quando se lembra do momento em que pediu a Greenwood pra tocar baixo em “Indigo Night”.

A última música do álbum, “Persephone”, faz referência ao mito grego em que a filha de Zeus é raptada por Hades e levada ao mundo terreno. Ironicamente, em “A Flauta Mágica”, seu homônimo resgata a princesa Pamina do cativeiro sob o maligno sumo sacerdote Sarastro. Mas em ‘Persephone”, Tamino se torna Hades, mantendo o personagem titular em cativeiro.

“Começou como uma música muito pessoal”, diz Tamino. “Vi paralelos com o mito, e usei porque queria me esconder um pouco, pra me proteger, talvez. Pensei que poderia cantar a partir da perspectiva de Hades e ainda ser eu mesmo também”.

“Ser eu mesmo” é algo muito característico dos cantores-compositores e isso tira um bocado da precisão sobre a assertividade comercial de cada trabalho, porque depende de quantas pessoas vão se identificar com aquelas experiências, independente da beleza das notas extraídas.

Há um conflito nas letras que acabam em algum lugar entre o niilismo e um estado mais romântico: “o lado romântico é onde você está flutuando, mas você pode cair a qualquer momento. Isso faz você vulnerável”, diz ele. “Com o niilismo, você é menos vulnerável… mas você não está vivendo”.

“E o outro tema, se você quiser chamar assim, é que sou muito jovem”, acrescenta, sabendo que as experiências futuras podem transformar “Amir” em algo que ele talvez não queira visitar nas próximas décadas. É natural. Um artista está em processo constante de amadurecimento. “Estou lidando com as “primeiras vezes” o tempo todo. Então, há muita ingenuidade nas letras, que eu não queria polir. ‘Amir’ tinha que ser um álbum que eu só poderia ter escrito agora”.

“Amir” foi lançado pela Communion Records e ganhou bom esforço de promoção, com muitos clipes e entrevistas em vários veículos. Tamino, porém, segue vivendo na Antuérpia, ainda não muito preocupado com esse futuro, mas em trabalhar o presente.

Sobre a “herança” que o leve a nomes como Jeff Buckley e Thom Yorke, é apenas uma referência imediada pra quem não está muito ligado no que uma beleza exótica, visual e musicalmente, pode proporcionar. O passado e o presente constantemente se fundem, Tamino ainda é uma misteriosa incógnita sobre resultados a longo prazo. Por ora, sua voz exuberante diz o bastante.

01. Habibi
02. Sun May Shine
03. Tummy
04. Chambers
05. So It Goes
06. Indigo Night
07. Cigar
08. Each Time
09. Verses
10. w.o.t.h
11. Intervals
12. Persephone

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