Vítor Colares é um experimentador incansável e versátil, como mostram duas contundentes obras recentes do cearense, “Eu Entendo A Noite Como Um Oceano Que Banha De Sombras O Mundo De Sol” (leia entrevista e ouça o disco aqui) e “Fotografia De Rachadura” (ouça aqui e leia resenha aqui), ambos de 2017.
Na série “Veredas”, ele começou como um namoro com a guitarra. No primeiro capítulo, lançado em 2015 (ouça aqui), dizia que se via “interessado pela nudez da guitarra, por ela sozinha, por ela ‘em si’, mais nua e crua do que em qualquer outro momento anterior meu. Não tão ortodoxamente quanto alguns poderiam achar/fazer, mas com a devida nudez que me cabe. Como em um exercício de meditação, quis focar na respiração, ou, nas respirações: da guitarra, da música e minha, e na profunda ‘intimidade’ entre estes três elementos, mesclando influências minhas de cores, sensações e espaços, tentando despir(-nos) das camadas de efeitos/adereços”. E segue, dando pistas: “no meio da cartografia dessas ‘Veredas’ existem certos, ou outros, pontos cardeais que servem pra nortear o cavalgante e que eu gostaria de registrar minha lembrança… Erik Satie, Dorival Caymmi, Brian Eno, Vincent Gallo, Neurosis… São algumas das imagens que estavam penduradas na parede da fotografia (…) de 2014, noite de lua cheia”.
“Veredas II – Deserção” saiu dois anos depois, em 2017 (ouça aqui), já mais denso, como viria a ser o capítulo III, “Psicogeografia” – onde “vasculha territórios que se alcançam com o olhar, vistas, perspectiva, visão, cenário, fortaleza. Sombras acariciadas por microfones de contato, mapas de uma guitarra/corpo alterada pela inconstante paisagem urbana, cuja dinâmica remove grandes porções de solo pra construção de túneis e de repente se inclina num emaranhado de viadutos que confundem o sentido de cabeças e avenidas”.
Mais sujo e noisy, a parte III é uma clara evolução ao se enfrentar as duas anteriores. Evolução de linguagem e narrativa, bem entendido. Técnicas outras, o que ainda é menos importante. As veredas, os caminhos estreitos por onde também metaforicamente circulam a arte e a percepção, assim como os grandes sertões de Guimarães Rosa espremiam um Brasil pobre e esquecido e desconhecido, são o caminho pra Colares desenvolver uma música esquecida e desconhecida, mais, como se ouve na saga, rica e intrigante.
São discos de compreensão e de percepção. Pra se ouvir intimamente.
O disco foi lançado em 3 de julho de 2019, via Mercúrio Música, selo cearense, com oito faixas compostas, executadas, produzidas e gravadas por Colares, com mixagem dele e de Diego Maia.
1. Ruromatane
2. Não Sei Se Você Viu O Vídeo Da Lama
3. Tsclfocntt
4. Blbx
5. Hummings _ Flangers
6. Cega
7. Trsqds
8. Repouso Para Vitor C